sábado, 1 de novembro de 2008

Tortura no regime militar

Em um país que tem formalizado na própria constituição a proibição de pena de morte, tortura e prisão perpétua, é contraditório haver brandura com quem praticou esses crimes há tão pouco tempo. Nem tudo é permitido na política. Não é porque vivíamos em um regime ditatorial que possibilitava tais ações que os responsáveis podem se eximir de culpa. Naquela época a tortura era "legalizada". Mas só por isso deve-se esquecer o que foi feito? Um criminoso pode mudar a lei a seu favor?

01/11/2008 - 08h37

Dilma afirma que crimes de tortura são "imprescritíveis"

EDUARDO SCOLESE
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Presa e torturada durante a ditadura militar, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) afirmou ontem que considera "imprescritíveis" os crimes de tortura cometidos no país.

Dilma falou sobre o tema ao ser questionada sobre o fato de a AGU (Advocacia Geral da União) ter emitido um parecer no qual considera perdoados pela Lei da Anistia os crimes de tortura cometidos na ditadura (1964-1985).

Ela criticou indiretamente o texto do órgão, subordinado à Presidência. "Eu, pessoalmente, como cidadã e indivíduo, acho que crime de tortura é imprescritível", disse a ministra no programa de rádio "Bom Dia, Ministro".

O parecer da AGU foi anexado ao processo aberto em São Paulo a pedido do Ministério Público, que pede a responsabilização dos militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, comandantes do DOI-Codi nos anos 70, por morte, tortura e desaparecimento de 64 pessoas. A posição da AGU criou uma crise no governo.

Os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) criticaram publicamente a decisão do órgão. Agora, eles planejam uma estratégia para derrubar o texto e forçar o ministro José Antonio Dias Toffoli (AGU) a formular outro texto.

O presidente Lula, que estava ontem em Cuba, disse que tentará resolver o caso na volta ao país: "Segunda vou conversar com a AGU e com o Vannuchi e verei o que é preciso fazer para evitar qualquer transtorno".

Ontem, questionada se a AGU errou, a ministra da Casa Civil fez uma crítica indireta ao órgão, sugerindo que não cabe a ele, e sim ao Judiciário, entrar no mérito da prescrição ou não dos crimes de tortura: "A AGU está fazendo a função dela. E eu não tenho como avaliar se ela cumpriu ou não cumpriu a sua função, ou se era necessário ou não era necessário ela entrar nesse aspecto. Mas eu acho que, de qualquer jeito, não caberá à AGU se posicionar sobre isso, mas sim ao Judiciário".

Dilma militou em organizações que defendiam a luta armada contra o regime militar: Colina (Comando de Libertação Nacional) e VAR-P (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Torturada, ela permaneceu na prisão entre o início de 1970 e o final de 1973.

Por ora, segundo a Folha apurou, não há intenção da Presidência de rever o texto, que não representa uma opinião pessoal de Toffoli. A AGU se manifestou no processo porque a União é ré: o Ministério Público pede, além da punição aos militares, a abertura dos arquivos da ditadura.

O órgão classificou de "improcedente" o pedido dos procuradores. Após ter criticado a AGU, o ministro Tarso Genro defendeu Toffoli: "O ministro Toffoli não tem nenhuma posição favorável à proteção de qualquer violência aos direitos humanos. Ele disse que em hipótese alguma estava defendendo o Ustra, muito menos a tortura". A Advocacia Geral da União, sem querer alimentar a discussão, não quis se pronunciar.

Colaboraram LUCAS FERRAZ, da Folha de S.Paulo, e SIMONE IGLESIAS, enviada da Folha de S.Paulo a Cuba

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