sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A crise financeira dos EUA

Neste comentário da Folha de S. Paulo, há a exposição clara dos elementos mais importantes envolvidos na crise financeira que atinge os Estados Unidos.

Entenda a crise financeira que atinge a economia dos EUA

A crise no mercado hipotecário dos EUA é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o país, e deu origem, por sua vez, a uma crise mais ampla, no mercado de crédito de modo geral. O principal segmento afetado, que deu origem ao atual estado de coisas, foi o de hipotecas chamadas de "subprime", que embutem um risco maior de inadimplência.

O mercado imobiliário americano passou por uma fase de expansão acelerada logo depois da crise das empresas "pontocom", em 2001. Os juros do Federal Reserve (Fed, o BC americano) vieram caindo para que a economia se recuperasse, e o setor imobiliário se aproveitou desse momento de juros baixos. A demanda por imóveis cresceu, devido às taxas baixas de juros nos financiamentos imobiliários e nas hipotecas. Em 2003, por exemplo, os juros do Fed chegaram a cair para 1% ao ano.

Em 2005, o "boom" no mercado imobiliário já estava avançado; comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse da nova compra um investimento. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e, também, gastar (mais).

As empresas financeiras especializadas no mercado imobiliário, para aproveitar o bom momento do mercado, passaram a atender o segmento "subprime". O cliente "subprime" é um cliente de renda muito baixa, por vezes com histórico de inadimplência e com dificuldade de comprovar renda. Esse empréstimo tem, assim, uma qualidade mais baixa --ou seja, cujo risco de não ser pago é maior, mas oferece uma taxa de retorno mais alta, a fim de compensar esse risco.

Em busca de rendimentos maiores, gestores de fundos e bancos compram esses títulos "subprime" das instituições que fizeram o primeiro empréstimo e permitem que uma nova quantia em dinheiro seja emprestada, antes mesmo do primeiro empréstimo ser pago. Também interessado em lucrar, um segundo gestor pode comprar o título adquirido pelo primeiro, e assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos.

Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo de não-recebimento por parte dos compradores dos títulos. O resultado: todo o mercado passa a ter medo de emprestar e comprar os "subprime", o que termina por gerar uma crise de liquidez (retração de crédito).

Após atingir um pico em 2006, os preços dos imóveis, no entanto, passaram a cair: os juros do Fed, que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e afastaram compradores; com isso, a oferta começa a superar a demanda e desde então o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos imóveis.

Com os juros altos, o que se temia veio a acontecer: a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração expressiva no país como um todo, desaquecendo a maior economia do planeta --com menos liquidez (dinheiro disponível), menos se compra, menos as empresas lucram e menos pessoas são contratadas.

No mundo da globalização financeira, créditos gerados nos EUA podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores na Europa e outras partes do mundo, por isso o pessimismo influencia os mercados globais.

Financiadoras

Em setembro do ano passado, o BNP Paribas Investment Partners --divisão do banco francês BNP Paribas-- congelou cerca de 2 bilhões de euros dos fundos Parvest Dynamic ABS, o BNP Paribas ABS Euribor e o BNP Paribas ABS Eonia, citando preocupações sobre o setor de crédito 'subprime' (de maior risco) nos EUA. Segundo o banco, os três fundos tiveram suas negociações suspensas por não ser possível avaliá-los com precisão, devido aos problemas no mercado "subprime" americano.

Depois dessa medida, o mercado imobiliário passou a reagir em pânico e algumas das principais empresas de financiamento imobiliário passaram a sofrer os efeitos da retração; a American Home Mortgage (AHM), uma das 10 maiores empresa do setor de crédito imobiliário e hipotecas dos EUA, pediu concordata. Outra das principais empresas do setor, a Countrywide Financial, registrou prejuízos decorrentes da crise e foi comprada pelo Bank of America.

Bancos como Citigroup, UBS e Bear Stearns têm anunciado perdas bilionários e prejuízos decorrentes da crise. Entre as vítimas mais recentes da crise estão as duas maiores empresas hipotecárias americanas, a Fannie Mae e a Freddie Mac. Consideradas pelo secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, "tão grandes e tão importantes em nosso sistema financeiro que a falência de qualquer uma delas provocaria uma enorme turbulência no sistema financeiro de nosso país e no restante do globo", no dia 7 deste mês foi anunciada uma ajuda de até US$ 200 bilhões.

As duas empresas possuem quase a metade dos US$ 12 trilhões em empréstimos para a habitação nos EUA; no segundo trimestre, registraram prejuízos de US$ 2,3 bilhões (Fannie Mae) e de US$ 821 milhões (Freddie Mac).

Menos sorte teve o Lehman Brothers: o governo não disponibilizou ajuda como a que foi destinada às duas hipotecárias. O banco previu na semana passada um prejuízo de US$ 3,9 bilhões e chegou a anunciar uma reestruturação. Antes disso, o banco já havia mantido conversas com o KDB (Banco de Desenvolvimento da Coréia do Sul, na sigla em inglês) em busca de vender uma parte sua, mas a negociação terminou sem acordo.

O Bank of America e o Barclays também recuaram, depois que ficou claro que o governo não iria dar suporte à compra do Lehman. Restou ao banco entregar à Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York um pedido de proteção sob o "Capítulo 11", capítulo da legislação americana que regulamenta falências e concordatas.

Combate

Como medida emergencial para evitar uma desaceleração ainda maior da economia --o que faz crescer o medo que o EUA caiam em recessão, já que 70% do PIB americano é movido pelo consumo--, o presidente americano, George W. Bush, sancionou em fevereiro um pacote de estímulo que incluiu o envio de cheques de restituição de impostos a milhões de norte-americanos.

O pacote estipulou uma restituição de US$ 600 para cada contribuinte com renda anual de até US$ 75 mil; e US$ 1.200 para casais com renda até US$ 150 mil, além de US$ 300 adicionais por filho. Quem não paga imposto de renda, mas recebe o teto de US$ 3 mil anuais, teve direito a cheques de US$ 300.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Economia mundial em momento muito delicado

Nesta semana, não se pode deixar de pensar nas notícias sobre a economia mundial. O artigo é do José Mauro Delella, na Gazeta Mercantil.

Economia mundial em momento muito delicado

A revisão, em bases mais pessimistas, das projeções de crescimento mundial para o segundo semestre de 2008 e também para o ano de 2009 influenciou de forma decisiva o comportamento dos mercados durante os últimos meses. 
A aposta no cenário de "decoupling", ou seja, na capacidade de que as demais economias desenvolvidas e também os países emergentes teriam força suficiente para superar a desaceleração americana sem perda para o crescimento mundial, que foi dominante nos mercados durante boa parte do primeiro semestre, enfraqueceu-se e, por conseqüência, os preços de commodities, que haviam sido claro destaque positivo durante os primeiros meses do ano, devolveram parte importante dos ganhos, retornando, em alguns casos, a níveis inferiores aos registrados no início de 2008. 
Num contexto em que a visão em relação à economia americana não chegou propriamente a melhorar, mas o otimismo com o mundo ex-Estados Unidos reduziu-se, destaque também para a valorização do dólar frente às demais moedas globais flutuantes, que ocorreu de modo praticamente generalizado - mesmo num cenário de forte deterioração das condições do sistema financeiro americano, o que não deixa de ser digno de nota. Expectativas de menor crescimento global e dólar em alta representam, basicamente, a reversão do cenário que prevaleceu durante boa parte do primeiro semestre e que levou a um overshooting nos mercados de commodities, trazendo agora uma pressão baixista muito forte, que já pode ser considerada um undershooting. 
Olhando para a frente, é forçoso reconhecer que o cenário para a economia mundial permanece de muita incerteza. A concordata do banco de investimento Lehman Brothers, anunciada no último final de semana, trouxe de volta ao debate o risco de uma crise financeira de caráter sistêmico. E, embora continue a existir confiança na capacidade de intervenção de governos e autoridades monetárias, o fato é que as perdas reconhecidas pelos bancos como conseqüência da crise de crédito já são muito maiores do que apontavam as estimativas feitas pelo mercado e, ao que tudo indica, ainda há muito mais prejuízos à frente. O que significa que qualquer solução para o problema financeiro que não passe por um aporte significativo de recursos "dos contribuintes" parece insuficiente. 
Nesse contexto, vai se consolidando um cenário de crescimento mundial menor do que sua média recente, não apenas para este ano como também para 2009 - com evidentes impactos sobre a aversão global a risco e, por conseqüência, sobre os preços de ativos como ações e commodities. 
Recentemente, emergiram também preocupações maiores com o desempenho futuro da economia chinesa. A desaceleração do crescimento daquele país em 2008 para níveis de um dígito, depois de alguns anos acima dos 11%, juntamente com a forte queda da bolsa e também dos preços (e dos investimentos) dos imóveis, suscitou preocupação em relação ao risco de uma retração mais agressiva. Não é o que acreditamos, porém. 
Uma situação muito confortável, tanto no âmbito fiscal como nas contas externas, deverá proporcionar espaço para que os chineses, depois do corte de juros e compulsórios anunciados na última segunda-feira, possam implementar ações adicionais de estímulo ao consumo doméstico de sua economia. A consolidação de patamares mais próximos a 8% ou 9% neste e no próximo ano é praticamente certa (basicamente pela queda da contribuição da demanda externa para o PIB chinês), mas quedas mais intensas do ritmo de crescimento são improváveis. 
O mundo já está crescendo menos e esta é uma tendência que deverá prevalecer por vários trimestres à frente. A demanda doméstica na maior parte dos países emergentes se mantém consistente e, mesmo que seja insuficiente para compensar a totalidade do consumo perdido nos desenvolvidos, garante que o crescimento global ainda será, no mínimo, bastante razoável. A queda acentuada das commodities no mercado internacional, se não é suficiente para mitigar por completo os riscos inflacionários, certamente amplia significativamente a margem de manobra dos bancos centrais em relação ao cenário de forte deterioração das expectativas que se observou durante praticamente todo o primeiro semestre. 
Não chega a ser um cenário brilhante, mas está longe também de justificar o pânico. Se nos primeiros meses de 2008 é possível afirmar que o mercado tenha errado ao exagerar no otimismo (colocando nos preços probabilidades grandes demais de um cenário muito benigno), apostar agora no pessimismo extremo também parece igualmente equivocado. 
A incerteza de curto prazo é grande, o mercado global de crédito ainda está longe da normalidade. Mas a perspectiva mais provável a médio prazo ainda é de retorno à normalidade. Com menos crescimento e menos euforia, mas também sem recessão e estagflação global. 
kicker: A desaceleração é inevitável, mas o pessimismo extremo é equivocado.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JOSÉ MAURO DELELLA* - Superintendente de Análises Econômicas/Área do Mercado de Capitais do Banco Itaú

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

"Desvio ético"?

Cada vez mais, a distinção entre a "regra" (no sentido de ato recorrente, pois institucionalmente está claro) e a exceção complica-se: no dia-a-dia, o desvio é o comportamento ético, ou é o desvio em relação à ética propriamente dito? Nesse comentário de Wálter Maierovitch, colunista da Carta Capital, e na nota da Associação dos Juízes Federais transcrita abaixo podemos refletir sobre o modo como vem sendo tratada a ética no Brasil. 


O efeito Mendes

16/09/2008 12:25:24

Wálter Fanganiello Maierovitch

É incrível. Não mais são discutidos os graves crimes atribuídos ao banqueiro Daniel Dantas. Questões outras, agitadas até por parlamentares beneficiados com doações de campanha feitas por Dantas, diretamente ou por interpostas pessoas, formam uma nuvem de fumaça para evitar que os crimes e os criminosos sejam revelados, conhecidos da população. 
A ética foi para o vinagre. Sem dúvida, trata-se do efeito Mendes, pós liminares em habeas-corpus, tentativa de instaurar procedimento disciplinar contra o juiz (foi abortada em face de uma grandiosa manifestação de apoio feita por magistrados e procuradores em São Paulo), irreverência contra o presidência da República, equiparação do trabalho dos juízes de varas especializadas a ilicitudes de paramilitares de favelas cariocas, etc. 

Em face do mau exemplo, virou vale-tudo. 

Até na Comissão de Prerrogativas da OAB a ética foi para o vinagre. Em procedimento interno, o relator, ilustre professor e reconhecido jurista, surpreendeu. Isto ao não se declarar impedido de atuar, pois relatava caso de colega, para o qual advoga. 

Por outro lado, apesar de já existir processo criminal em curso, procura-se destruir, não as provas, mas imagens. Ou seja, o delegado que presidiu o inquérito e os sujeitos processuais, mais especificamente o representante do ministério Público e o juiz do feito. 

A Comissão Parlamentar de Inquérito, que mudou o foco inicial da razão da sua constituição, ultrapassou todos os limites do razoável e a representação formulada pelo deputado Raúl Jungmann (PPS-PE) para a instauração de procedimento disciplinar contra o juiz da 6ª.Vara Federal, Fausto de Sactis, mostra o seu total desconhecimento sobre a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Em outras palavras, o CNJ não tem competência para examinar matéria jurisdicional, ou melhor, se um juiz acerta ou erra em decisões. Nos estados democráticos, o inconformismo quanto a uma decisão manifesta-se por recurso previsto na legislação processual, que é federal. 

Mais, a deliberação da chamada CPI do grampo ao enviar interpelação ao juiz da 6ª.Vara, onde tramita o processo criminal contra Daniel Dantas, é tão absurda quanto seria a notificação do magistrado para saber dos vínculos do deputado Jungmann com o pessoal de Dantas, ainda que ele tenha recebido, como é público e notório, doação de campanha. 

Pano Rápido, a nota de repúdio, apresentada pela Associação dos Juízes Federais ( AJUFE), que segue abaixo, dá a exata dimensão de como os sinais estão invertidos e da força da chamada Criminalidade dos Potentes. Confira a nota abaixo: 

A Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE vem a público manifestar-se sobre os recentes episódios envolvendo as varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de ativos financeiros e os juízes que nela atuam: 

1. A representação que o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) apresentou contra o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, junto ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, a propósito da concessão de senhas a agentes da Polícia Federal, no curso das investigações da chamada Operação Satiagraha, as quais permitiriam acesso a dados cadastrais, é medida imprópria e inadequada, pois se trata de decisão proferida no âmbito jurisdicional e devidamente fundamentada, não cabendo seu exame pelo CNJ, no âmbito disciplinar. 

2. É inaceitável a atitude do advogado Nélio Machado, defensor do senhor Daniel Dantas, ao imputar má-fé nas atitudes do procurador da República Rodrigo de Grandis e ao juiz federal Fausto Martin De Sanctis. Em evidente excesso de linguagem, o advogado extrapolou seu ofício ao atacar, injusta e injustificadamente, o membro do Ministério Público Federal e o magistrado que determinou o bloqueio, a pedido daquele, de centenas de milhões de reais em razão de operação considerada atípica por instituição financeira, que a comunicou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras -COAF, órgão criado pela Lei nº 9.613, de 03.03.1998, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, que tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícita relacionada à lavagem de dinheiro. 

3. O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, ao proferir tal decisão, nada mais fez do que exercer o seu papel jurisdicional, que a Constituição e as leis do país lhe atribuem. Se dessa decisão, assim como de outras proferidas no âmbito da referida operação, há inconformismo, que este seja manifestado pelos meios processuais cabíveis, dentro do devido processo legal, que é inerente ao Estado Democrático de Direito, e pelas partes envolvidas. 

4. Não se pode admitir a tentativa de politização do caso concreto ou de qualquer interferência na atividade técnica do magistrado. Atacar o magistrado, tentando desmoralizá-lo, não faz parte do jogo democrático e merece o repúdio da sociedade. 

5. As quebras de sigilo de comunicações telefônicas determinadas por magistrados, no curso de investigações regularmente instauradas, são medidas legais, nada tendo a ver com grampos clandestinos. 

6. A AJUFE é contrária a qualquer tentativa de modificar a atuação das varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de ativos financeiros. Essas varas têm apresentado expressivos resultados na repressão à criminalidade organizada, tendo o trabalho nelas desenvolvido sido elogiado pelo GAFI/FATF, organismo intergovernamental responsável pela elaboração e implementação das políticas e recomendações internacionais dirigidas à luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Os ataques que têm sido feitos a essas varas e aos seus juízes são a prova cabal de que o trabalho da Justiça Federal está incomodando quem acreditava estar vivendo no país da impunidade. 

7. Como órgão de representação dos magistrados federais em âmbito nacional, a AJUFE rejeita com veemência qualquer atitude que vise intimidar magistrados. Atentar contra a independência funcional do juiz é atentar contra o Estado Democrático de Direito. Nenhum juiz pode ser punido apenas porque decidiu. 

8. A AJUFE está prestando a necessária assistência ao juiz federal Fausto Martin De Sanctis neste episódio e conclama a sociedade a prestar atenção ao que vem ocorrendo. Os juízes federais estão atentos. 

Brasília, 15 de setembro de 2008. 

Fernando Cesar Baptista de Mattos

sábado, 13 de setembro de 2008

A camada pré-sal e os rumos "pós-descoberta"


Tema em destaque atualmente que merece ser conhecido para o melhor entendimento do cenário político, econômico e (por que não) social brasileiro.

Entenda o que é a camada pré-sal

da Folha Online

A chamada camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e engloba três bacias sedimentares (Espírito Santo, Campos e Santos). O petróleo encontrado nesta área está a profundidades que superam os 7 mil metros, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conservam a qualidade do petróleo.

Vários campos e poços de petróleo já foram descobertos no pré-sal, entre eles o de Tupi, o principal. Há também os nomeados Guará, Bem-Te-Vi, Carioca, Júpiter e Iara, entre outros.

Um comunicado, em novembro do ano passado, de que Tupi tem reservas gigantes, fez com que os olhos do mundo se voltassem para o Brasil e ampliassem o debate acerca da camada pré-sal. À época do anúncio, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) chegou a dizer que o Brasil tem condições de se tornar exportador de petróleo com esse óleo.

Tupi tem uma reserva estimada pela Petrobras entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo, sendo considerado uma das maiores descobertas do mundo dos últimos sete anos.

Neste ano, as ações da estatal tiveram forte oscilação depois que a empresa britânica BG Group (parceira do Brasil em Tupi, com 25%) divulgou nota estimando uma capacidade entre 12 bilhões e 30 bilhões de barris de petróleo equivalente em Tupi. A portuguesa Galp (10% do projeto) confirmou o número.

Para termos de comparação, as reservas provadas de petróleo e gás natural da Petrobras no Brasil ficaram em 13,920 bilhões (barris de óleo equivalente) em 2007, segundo o critério adotado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). Ou seja, se a nova estimativa estiver correta, Tupi tem potencial para até dobrar o volume de óleo e gás que poderá ser extraído do subsolo brasileiro.

Estimativas apontam que a camada, no total, pode abrigar algo próximo de 100 bilhões de boe (barris de óleo equivalente) em reservas, o que colocaria o Brasil entre os dez maiores produtores do mundo.

Mais dúvidas

A Petrobras, uma das empresas pioneiras nesse tipo de perfuração profunda, porém, não sabe exatamente o quanto de óleo e gás pode ser extraído de cada campo e quando isso começaria a trazer lucros ao país.

Ainda no rol de perguntas sem respostas, a Petrobras não descarta que toda a camada pré-sal seja interligada, e suas reservas sejam unitizadas, formando uma reserva gigantesca.

Justamente por conta do desconhecimento sobre o potencial da camada pré-sal o governo decidiu que retomará os leilões de concessões de exploração de petróleo no Brasil apenas nas áreas localizadas em terra e em águas rasas. Afinal, se a camada for única, o Brasil ainda não tem regras de como leiloaria sua exploração.

Assim, toda a região em volta do pré-sal não será leiloada até que sejam definidas as novas regras de exploração de petróleo no país (Lei do Petróleo), que voltaram a ser discutidas pelo Planalto --foi criada uma comissão interministerial para debater modelos em vigor em outros países e o destino dos recursos do óleo extraído.

Além disso, o governo considera criar uma nova estatal para administrar os megacampos, que contrataria outras petrolíferas para a exploração --isso porque os custos de exploração e extração são altíssimos. Os motivos alegados no governo para não entregar a região à exploração da Petrobras são a participação de capital privado na empresa e o risco de a empresa tornar-se poderosa demais.

Opiniões

O diretor de exploração e produção da Petrobras, Guilherme Estrella, disse que a discussão em torno das mudanças no marco regulatório do petróleo não levará em conta o interesse privado.

"Existem vários interesses públicos e privados envolvidos nessa questão. A Petrobras é uma empresa que tem controle governamental, mas tem acionistas privados, que têm que ser respeitados. Ao mesmo tempo, o aproveitamento dessas riquezas é questão de Estado brasileiro", reconheceu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito vários discursos em que mencionou que as reservas pertencem ao "povo brasileiro" e devem ser usadas em benefício do país, como para aplicações na educação. Lula chegou a mencionar que as reservas eram uma chance divina e deveria ser usada para reparar uma dívida com os mais pobres.



quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Democracia e o Poder Judiciário: questões atuais

Ótimas questões levantadas sobre o sistema político na contemporaneidade nesse comentário de Luiz Werneck Vianna sobre o livro de Atoine Garapon "O Juiz e a Democracia - O guardião das promessas". 

O Juiz e a Democracia

A ampliação da influência do direito no mundo contemporâneo sobre todas as dimensões da vida social tem consistido em um fato que se vem impondo à observação de analistas de diferentes formações, a esta altura já conformando uma vasta e rica bibliografia. Le Gardien des Promesses, de Antoine Garapon, magistrado francês e importante pesquisador do Institut des Hautes Études sur la Justice, é, sem dúvida, um dos melhores exemplares dessa produção, combinando a experiência do autor com a judicatura especializada nas questões da criança e do adolescente, área estratégica para a percepção da malaise das democracias atuais, com a sua sólida formação em ciências humanas.

Desse encontro da teoria, muito especialmente da filosofia política e a do direito, com a reflexão extraída da prática direta com os processos de fragmentação do tecido da sociabilidade, no lugar em que são mais sensiveis, resulta uma originalíssima sociologia, herdeira direta de Tocqueville, em que, ao contrário do tratamento convencional, o argumento se constrói sem perder de vista as conexões necessárias entre as esferas do público e a do privado. É daí que o autor levanta a sua hipótese, demonstrada persuasivamente ao longo da sua exposição, de que “a explosão do número de processos não é um fenômeno jurídico, mas social”.

Nessa chave de interpretação, a colonização do mundo pelo direito se apresentaria como um sintoma do esvaziamento dos ideais e práticas republicanas, levando a que o indivíduo de nossas sociedades, cada vez mais solitário, esteja a procurar no Judiciário um último refúgio, à falta de partidos, vida associativa e familiar, instituições que estariam derruindo diante dos processos próprios à modernidade. Este seria o cenário que estaria afetando o estatuto do jurídico nas sociedades democráticas, uma vez que, se antes era convocado para pacificar as relações sociais, proteger os costumes e servir como correia de transmissão do Estado, hoje se demandaria dele organizar o mundo, importando isso graves ameaças à democracia e à soberania popular.

A reversão desse quadro sombrio dependeria de uma ciência política, tal como em Tocqueville, que viesse a reanimar as virtudes cívicas e a cooperação social, e é exatamente aí que o argumento do autor se flexiona para admitir uma nova presença do direito nas sociedades atuais: não como substituta da república, e sim como um lugar inscrito nos caminhos da democracia da deliberação — a controvérsia própria à cena judiciária seria um paradigma disso —, caso seus personagens se orientem, como preconiza Garapon, pela motivação de exercer uma pedagogia em favor de uma cidadania ativa e de renascimento do ethos republicano. Nessa flexão, a grandeza e a pertinência desse Le Gardien des Promesses, que nos chega para ficar.

Luiz Werneck Vianna é sociólogo e professor da IUPERJ.

Para quem se interessar, a referência completa da obra é: Antoine Garapon. O juiz e a democracia. O guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 2001. 270p.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Trasigências na política externa

Artigo interessante para se pensar a política externa. Por Marcos Coimbra.

Transigências na Política Externa

Agora, na questão da revisão das tarifas de Itaipu e da aspiração paraguaia de receber mais pela energia exportada para o Brasil, volta-se a falar que nosso governo vai sucumbir. Será mesmo? Será que só tivemos derrotas, que poderiam ter sido vitórias?

Marcos Coimbra 

Com a eleição de Fernando Lugo para presidente do Paraguai, o tema das relações do Brasil com seus vizinhos voltou à tona. Para uma grande parte da imprensa e dos setores que formam o núcleo da opinião pública, a discussão retorna quente: todo mundo acha que o Brasil está prestes a dar mais uma demonstração de leniência excessiva. 

Nas rodas onde se conversa sobre o assunto, predomina a visão de que o governo Lula tem sido brando demais em suas relações com os países sul-americanos, em especial com os governados pela nova esquerda continental. A pior expressão desse comportamento teria ocorrido quando Evo Morales endureceu com a Petrobras, logo após sua posse. Mas não foi a única. 

Naquele episódio, o que as pessoas viram foi a petulância de um pequeno país, cuja economia muito depende da nossa, enfrentando sem medo o vizinho maior, que pestanejou e cedeu. Na batalha do gás boliviano, o Brasil perdeu. 

Perdeu outras nos enfrentamentos com Hugo Chávez, que sempre levou a melhor quando quis que suas opiniões prevalecessem. Foi o que aconteceu na questão da entrada da Venezuela no Mercosul, no gasoduto, no Banco del Sur, etc. Nas batalhas venezuelanas, o Brasil perdeu todas. 

Agora, na questão da revisão das tarifas de Itaipu e da aspiração paraguaia de receber mais pela energia exportada para o Brasil, volta-se a falar que nosso governo vai sucumbir. Na batalha da eletricidade paraguaia, o Brasil vai perder outra. 

Será mesmo? Será que só tivemos derrotas, que poderiam ter sido vitórias? O que, exatamente, são derrotas e vitórias na política externa brasileira, neste momento especifico e perante países como esses? 

Para quem está de fora das negociações e pouco conhece do ambiente real em que elas ocorrem, a tentação de achar que poderíamos obter sempre mais vantagens é grande. Mas quais seriam elas? 

Dizendo de outra maneira, pensando no caso mais imediato do Paraguai: é mesmo vantagem manter os atuais níveis de remuneração paraguaia ou, ao contrario, poderá ser melhor para o Brasil, em uma visão mais ampla e de prazo mais longo, aceitar que sejam revistos? Que vantagem para nós advém de deixar o garrote apertado na garganta do novo governo paraguaio, que começa um difícil caminho em direção à democracia? 

Por trás das críticas a essa tolerância, podem ser identificados dois sentimentos. O primeiro é dos que apenas se opõem ao governo Lula e buscam todas as oportunidades para desgastá-lo. Quem pensa assim sequer precisa saber o que aconteceu mesmo em cada um desses casos. Basta dizer que o Brasil “foi derrotado”. 

O segundo é uma versão cabocla do belicismo típico de certas lideranças norte-americanas, que fazem a política externa com os olhos, o vocabulário e os atos da guerra. Em última instancia, quem pensa assim imagina que, se o governo boliviano, por exemplo, nacionaliza uma refinaria, o Brasil deve ir lá para obrigá-lo a devolvê-la pela força, manu militari. 

A vasta maioria da sociedade brasileira não concorda com essa visão. Por razões históricas, o nacionalismo nunca assumiu, entre nós, o tom agressivo comum em outros países. Somos nacionalistas sem desejar impor a ninguém nossas receitas e nossos interesses, continuando capazes de enxergar os de nossos interlocutores. 

Aliás, quem mais critica essa “brandura excessiva” no trato com os vizinho mais se opõe a que o governo Lula seja “duro demais” nas relações com a União Européia e os Estados Unidos em questões comerciais. Afinal, o que essas pessoas querem? Que sejamos duros com os fracos e flexíveis com os fortes?