quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Números e tendências da atividade econômica

29/10/2008 - 11h41

Desemprego em SP tem menor nível para setembro em 12 anos

da Folha Online

Atualizada às 11h59

O desemprego na região metropolitana de São Paulo caiu para 13,5% em setembro, ante 14% de agosto, segundo pesquisa da Fundação Seade e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgada nesta quarta-feira. Trata-se da melhor taxa para o mês desde 1996.

Já a taxa de desemprego em seis regiões metropolitanas do país --Belo Horizonte, Distrito. Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo-- ficou em 14,1% contra 14,5% em agosto, segundo os mesmos dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego). Essa é a menor taxa para o mês desde 1998.

No mês passado, o contingente de desempregados nas seis regiões foi estimado em 2,839 milhões de pessoas, 72 mil a menos que em agosto. As ocupações geradas (130 mil) foram em quantidade suficiente para absorver a entrada de pessoas no mercado de trabalho (58 mil).

Já o número de ocupados nas seis regiões foi calculado em 17,347 milhões de pessoas, e a PEA (População Economicamente Ativa) em cerca de 20,186 milhões.

Na regiões metropolitanas, a taxa caiu nos Distrito Federal (15,9% para 15,8%), Belo Horizonte (9,7% para 9,5%), Porto Alegre (11,3% para 11,2%), em Recife (de 21,3% para 20,4%), Salvador (19,9% para 19,7%), além de São Paulo.

São Paulo

No mês passado, o contingente de desempregados foi estimado em 1,425 milhão de pessoas em São Paulo -- 51 mil a menos do que em agosto.

O nível de ocupação (9,129 milhões) em São Paulo em setembro cresceu 0,7% em relação ao mês anterior (9,066 milhões).

Por setor, houve crescimento de 2,4% em serviços (alta pelo segundo mês consecutivo) e na indústria (0,7%, após quatro meses de decréscimos) e redução no comércio (3,6%) e no agregado outros setores (1,1%).

Renda

Em São Paulo, a renda dos ocupados entre julho e agosto subiu 1,6% para R$ 1.216 e a dos assalariados manteve-se estável em R$ 1.246, respectivamente. Em relação ao ano passado, os rendimentos médios reais de ocupados cresceram 2,7%, e dos assalariados ficou estável.

Já no conjunto das seis regiões, entre junho e julho deste ano, o rendimento médio real dos ocupados cresceu 1% (para R$ 1.171) e o dos assalariados recuou 0,4%, para R$ 1.227.

Expectativas eleitorais?

O que poderíamos esperar da política? O que fazemos na democracia? Marcoa Aurélio Nogueira argumenta que o que vemos atualmente "não é suficiente".

O Estado de S. Paulo, 25 de outubro de 2008, p. A2

 

A cidade e seu futuro

Marco Aurélio Nogueira

 

O prefeito de São Paulo a ser eleito amanhã estará chamado, como o foram todos os seus antecessores, a governar uma cidade que é um enigma a ser decifrado e uma potência a ser controlada. Se desejar inscrever seu nome na história, terá de ir além de rotinas e procedimentos-padrão, ser mais que administrador, coordenar mais que comandar.

Trata-se de algo universal. Estima-se que mais de 50% da população mundial vivam em cidades. Elas crescem por toda parte, transbordam seus centros e espalham-se pelas periferias, desafiadoras. Impõem-se como arranjos implacáveis, que "civilizam" sem piedade, redefinem perfis e padrões, sufocam outros modos de ser. Todas as grandes decisões políticas e culturais são tomadas em cidades e estão nelas os principais núcleos geradores de vida moderna.

Vivemos sempre mais em cidades, mas elas são cada vez menos polis. Continuam a nos seduzir, mas não mais nos concedem um estilo de vida desejável. As cidades do nosso tempo estão se convertendo em amontoados de pessoas e não conseguem fornecer, a seus moradores, condições de usufruir as vantagens da aglomeração: o encontro, a diversidade, o aprendizado da diferença e do respeito pelo outro, a luta coletiva. Em muitos momentos, assemelham-se a praças de guerra, teatro de batalhas inglórias, de um corpo-a-corpo travado com armas que vão da faca e do revólver à agressão verbal, à chantagem emocional, à ausência de cortesia e delicadeza, à indiferença. Massas de excluídos, sem-teto e desempregados perambulam quase a esmo, em meio a "incluídos" fechados em si e carentes de uma idéia de futuro.  São Paulo não é exceção.

São assombrosas as dificuldades para que se reformem as cidades. A política só se ocupa delas como objeto de gestão, não de convívio, mais como espaço de mercados e automóveis que de pessoas. O planejamento urbano já não dispõe de força persuasiva e legitimidade. Está sendo subvertido pela dinâmica do capitalismo global e boicotado pelos mercados. Os interesses digladiam sem projetos e consensos. As cidades parecem à deriva, como se não conseguissem ser alcançadas pela razão política democrática e republicana. Tornam-se alvo fácil da razão técnica exacerbada, de administradores focados em controle e na construção compulsiva de obras e factóides.

É verdade que novas modalidades de gestão despontam no horizonte, anunciando articulações de novo tipo entre técnica e política, decisão e participação, gestão e cidadania. É verdade, também, que a rotatividade política propicia a chegada de novas pessoas e idéias ao governo das cidades. Os próprios moradores movimentam-se sempre, ativando a reinvenção urbana. E as tecnologias da informação ajudam a impulsionar redes de comunicação e cooperação que se colam às utopias em gestação.

Não é suficiente.

Como tornar sustentáveis nossas cidades e impedir que suas toxinas prejudiquem seus habitantes? Que fazer para livrá-las da racionalidade instrumental do poder e da técnica e abri-las à sensibilidade política, ao prazer estético, ao calor humano da democracia? Neste mundo de mercados escancarados, interessa pouco a cidade competitiva e funcional, produtivista e repressiva. Para vivermos e convivermos com dignidade, precisamos de cidades agradáveis, capazes de expressar seus encantos, proteger e promover seus habitantes. Cidades seguras: não a cidade policiada, que veta a vida noturna ou o andar distraído, mas a cidade aberta, dialógica, de todos e para todos, que se auto-organiza.

São Paulo cresceu desordenadamente, com pressa errática. Foi sendo arrumada meio ao acaso, "planejada" a partir de óticas imperfeitas. Tornou-se uma cidade de bairros inventados, de avenidas para automóveis, de poucas praças, em que as antigas edificações são destruídas como coisas velhas, descaracterizadas ou largadas à especulação. Uma cidade de máquinas e negócios, mais que de pessoas, onde se circula e se caminha com dificuldade, respirando mal e sem tempo de olhar a paisagem ou os outros.

Mas é absurdo combater as cidades, desprezá-las ou fugir delas. São Paulo nos perturba e incomoda, mas também nos fornece condições para imaginar formas superiores de convivência e luta pela vida. Não deveríamos temê-la e sim aproveitá-la melhor. É insensato cogitar do recuo a comunidades ideais que negariam os males da modernização e realizariam o desejo de que se estabelecessem relações pessoais intensas, repletas de solidariedade, paz e harmonia.

A idéia de uma cidade sem problemas, conflitos e ruído social é uma ficção descolada da vida contemporânea. Paralisa, em vez de libertar. Cidades não são arranjos abstratos. Nascem do dia-a-dia coletivo, da história e da cultura enraizada, da surpresa e do inesperado, não do planejamento rígido, desejoso de substituir a face naturalmente tensa da cidade por uma harmonia de prancheta. Seu melhor motor é a democracia participativa organizada, impregnada de vida pública e diferenciação.

Quando olhamos São Paulo com atenção, descobrimos que por sob a feiúra se ocultam muitas belezas, por sob o caos há ordem, por sob a desorientação geral pulsam projetos de destino. Quando vamos além das aparências, vemos uma cidade de pessoas que constroem variadas formas de convivência e cultura, que lutam por uma vida melhor e querem governos melhores, capazes de escutá-las.  

São Paulo é apenas aquilo que precisamos redescobrir a cada dia: uma cidade de carne e osso, verde e cimento, máquinas e pessoas, ordem e caos. E é nela como construção coletiva, com suas virtudes e contradições, que devemos pensar para agir. Se descobrirmos como politizá-la, organizá-la democraticamente, enchê-la de cidadania e cultura, se soubermos em suma urbanizá-la de modo pleno, teremos o futuro.

Que os eleitores amanhã e o próximo prefeito, ou prefeita, procurem assimilar essas expectativas.

sábado, 25 de outubro de 2008

A volta dos que quase foram...

Neste artigo Bresser-Pereira, entre outras coisas, defende o fortalecimento do Estado frente ao mercado para superação da crise. Me volta uma questão que há tempos é impossível de responder: onde estão os estadistas (no real sentido da palavra)?

A volta da política
 

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S.Paulo, 20.10.2008

EM MEIO à crise financeira global, o presidente Lula, ao receber em Toledo o prêmio Dom Quixote, declarou que este é o momento da "volta da política e do Estado". Tem razão o presidente. 
Depois de 30 anos de irracionalidade neoliberal ou ultraliberal, os homens voltam a se dar conta de que a política é a expressão da liberdade humana, e o Estado, a projeção racional dessa liberdade. Durante 30 anos, uma classe de profissionais das finanças aliou-se a acionistas capitalistas e à classe média conservadora e, empunhando a bandeira do Estado mínimo e da desregulação, alcançou a dominância ideológica sob a liderança de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido.
Inspirada por intelectuais neoliberais que desde os anos 1960 vinham reduzindo a política à lógica do mercado, a nova coalizão política declarou a "guerra do mercado contra o Estado". Enfraquecia assim o Estado, colocado em pé de igualdade com o mercado, e aproveitava essa brecha para enriquecer enquanto os salários dos trabalhadores permaneciam quase estagnados. 
A guerra era irracional porque, em vez de se limitar a eventuais excessos de intervenção do Estado na economia, atacou o próprio Estado. Porque ignorava que o Estado é a instituição maior de cada sociedade -que é o resultado do esforço secular de construção política de um sistema constitucional-legal e de uma administração pública que o garanta. Ignorava que é através do Estado que os homens e as mulheres, no exercício da política, coordenam sua vida social, estabelecendo suas instituições normativas e organizacionais fundamentais, entre as quais a democracia e o mercado. 
O mercado apenas se torna realmente significativo como instituição complementar na coordenação da sociedade com a emergência do capitalismo. Por isso, o capitalismo será chamado de economia de mercado. A coordenação econômica de uma sociedade caracterizada por uma crescente divisão do trabalho e, portanto, por uma enorme complexidade só é possível se o Estado contar com a colaboração do mercado nessa tarefa. Por outro lado, durante o transcorrer do século 20, as nações mais desenvolvidas construíram um Estado democrático social. 
Foram todas essas verdades elementares que os jovens turcos da classe profissional financeira, quase todos treinados em escolas de economia neoclássicas, não compreenderam, ou não quiseram compreender, ao pretenderem substituir o Estado social e efetivamente regulador pelo mercado. Assim, contraditoriamente, buscavam voltar ao século 19, em que o Estado era mínimo, correspondendo a menos de 10% do PIB. Ao agir assim, a coalizão reacionária por eles conduzida não compreendeu que esse objetivo era inviável em sociedades democráticas modernas. E -o que é mais grave- não compreendeu que, para coordenar as sociedades complexas de hoje -as sociedades do capitalismo do conhecimento-, não bastam mercados cada vez mais eficientes: torna-se necessário um Estado cada vez mais capaz e mais democrático. 
Existe uma estreita relação entre o grau de desenvolvimento econômico e de complexidade de uma sociedade e a capacidade que seu Estado deve ter de coordená-la ou regulá-la. É fortalecendo o Estado, e não enfraquecendo-o, que realizamos os grandes objetivos políticos de liberdade, justiça e bem-estar. Ao não compreender essas verdades básicas, o neoliberalismo nos levou à atual crise. Será através da política e do Estado que a superaremos.

Oposição em posição amarga

Eles não souberam usar as vestimentas de oposição?
Isso faz parte da tendência geral ao situacionismo?
O momento econômico pré-crise pesou na análise comparativa dos eleitores?
O carisma de Lula arrebatou corações frágeis de cidadania?
Não sabemos bem as respostas mas sabemos que a oposição está em baixa...

25/10/2008 - 08h30

Oposição deve amargar perda de 10 milhões de eleitores pelo país

da Folha Online

Mesmo se confirmar a vitória em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, a oposição deverá acordar segunda-feira com um patrimônio perdido de cerca de 10 milhões de eleitores, informa neste sábado reportagem de Alan Gripp, publicada pela Folha (a íntegra está disponível apenas para assinantes do jornal e do UOL).

Segundo a reportagem, o número é maior do que o eleitorado de toda a região Norte (9,4 milhões), ou próximo da votação recebida por Geraldo Alckmin (PSDB), em 2006, no Estado de São Paulo (11,6 milhões de votos), onde o tucano teve o seu melhor desempenho.

Hoje, desconsiderando o resultado das eleições, PSDB, DEM e PPS governam juntos 1.760 cidades onde vivem 44,6 milhões de eleitores. No primeiro turno, os três partidos elegeram 1.410 prefeitos, que representam 25,7 milhões de eleitores.

Folha informa que, se confirmado o que dizem as pesquisas disponíveis até ontem, sairão do segundo turno com apenas mais três vitórias (em São Paulo, São Luís e Cuiabá) e passarão a governar 34,9 milhões de eleitores.

Ah, vá!

Respeitadíssimo estudioso das eleições, Jairo Nicolau nesse post parece escrever por obrigação. As coisas ditas são óbvias. Dá vontade de falar: "Ah, vá!". Mas às vezes é bom recapitular as obviedades para tê-las sempre como pressupostos. De qualquer forma, taí. 

Os fatores que influenciam o voto dos eleitores

Para quem estuda eleições, o maior desafio é tentar responder a uma pergunta aparente simples: o que explica o voto dos eleitores? Todos os que se dedicam a fazer ou a estudar as campanhas eleitorais têm procurado responder a esta pergunta.

A cada momento de campanha sou procurado por jornalistas desejosos de saber se uma declaração, uma denúncia, uma pesquisa, um apoio influenciam a escolha dos eleitores.

Existem muitos estudos sobre comportamento eleitoral no Brasil, mas ainda estamos longe de compreender as razões que levam os eleitores a preferirem certos candidatos em detrimento de outros. Acreditamos na influência de diversos fatores, mas precisamos de mais pesquisas para tentar responder algumas perguntas: Será que as diferenças sociais (renda, gênero, religião, lugar de moradia, escolaridade) influenciam na escolha? A ideologia e o partido ainda são importantes? A cobertura da mídia influencia? Como as "ondas eleitorais" se propagam? Os debates são decisivos?

Se pensarmos com cuidado veremos que tentar decifrar o "mistério da escolha eleitoral" não é mesmo um tarefa das mais simples. Milhões de pessoas escolhem um candidato em um determinado domingo de outubro. As razões apresentadas vão das mais prosaicas às mais sofisticadas. E cabe a nós, os analistas eleitorais, encontrar neste cipoal uma lista de possíveis fatores que influenciam o voto.

É impossível discutir aqui as principais teorias e modelos que buscaram explicar o voto nas democracias modernas. Minha tarefa será mais modesta. Apresento uma breve reflexão sobre a possível influência de apenas três fatores, que para muitos tem sido decisivos nas eleições brasileiras.

1. As pesquisas

Tenho recebido algumas mensagens sugerindo que a divulgação de pesquisas seja proibida Brasil. O argumento é que as pesquisas influenciariam negativamente os eleitores, sobretudo por conta do fenômeno conhecido como voto útil (os eleitores trocam o seu candidato, em má posição na disputa, por outro, melhor situado nas pesquisas). É bom lembrar que nas eleições municipais as pesquisas são publicadas com regularidade nas maiores cidades, mas em um número expressivo de cidades as pesquisas sequer são realizadas ou divulgadas.

Sabemos que as pesquisas influenciam os doadores de campanha, sabemos que elas afetam o moral dos candidatos e militantes, mas não sabemos o volume de eleitores que decidem seu voto baseado em pesquisas.

Minha desconfiança é que um reduzido contingente de eleitores decida seu voto baseado em pesquisas. Se tivesse que dar um palpite, diria que não mais do que 5%. Mas precisamos de estudos sobre o tema.

2. O horário eleitoral gratuito

No Brasil, os candidatos têm acesso ao mais generoso tempo de rádio e televisão do planeta. Hoje, os gastos mais expressivos dos candidatos estão associados à produção dos programas. Mas, afinal, os eleitores assistem ao horário? A propaganda tem sido decisiva para o eleitor?

É fundamental distinguir a propaganda em cadeia, que é divulgada duas vezes por dia, dos comerciais de 30 segundos divulgados no meio do horário regular de programação. O número de telespectadores e de ouvintes do programa em cadeia tem caído, comparativamente aos das campanhas das décadas de 1980 e 1990. Uma das razões é o crescimento de fontes alternativas de informação e lazer, tais como os canais a cabo e a internet.

Já os comerciais de 30 segundos são vistos e ouvidos por todos que estão conectados aos canais comerciais de rádio e televisão. Isto é, a grande maioria da população. Os comerciais têm se tornado a principal fonte de informação para os eleitores. Não conheço estudos sobre os efeitos dos comerciais, mas apostaria que hoje eles têm sido mais decisivos na campanha do que os programas em cadeia.

3. Os apoios

Um dos mitos desta eleição foi que o apoio do presidente Lula seria decisivo para os candidatos. Alguns candidatos da base governista quase se engalfinharam para obter o apoio presidencial. Ter sido apoiado pelo presidente pode ter dado alguns pontinhos extras para um ou outro candidato. Mas esteve longe de ter sido decisivo.

A razão é simples: as eleições municipais têm se organizado basicamente em torno dos temas locais, com diferentes contornos: a avaliação sobre um determinado prefeito (ou seu candidato); os tradicionais conflitos entre famílias e lideranças locais; a discussão dos problemas que afetam a cidade.

A escolha dos eleitores se dá basicamente tentando encontrar o nome mais adequado para enfrentar os desafios vividos por sua cidade. Por isso, a influência de atores externos à corrida eleitoral municipal (presidente, governadores, senadores, secretários estaduais, ministros) no voto, não tem sido, na maioria dos casos, decisiva.

Blog Jairo Nicolau - Veja - 22/10/08

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Belluzzo: não ao corte de gasto público!

Belluzzo defende a estatização do crédito, defesa das reservas cambiais e expansão do investimento público para preservar a economia brasileira durante a crise. Teme o corte de gasto público e faz analogia com o período pré-nazismo. Polêmico e à contra mão de muitos.

Retoma inestimável atualidade nos dias que correm – ou talvez fosse mais honesto dizer, nas horas que urgem - a frase bordão proferida pelo presidente Franklin Delano Roosevelt no famoso discurso de posse, em março de 1933. Em meio à Grande Depressão, que destruiria 25% dos postos de trabalho nos EUA, o político de origem conservadora, mas que passaria à história por ter abraçado instrumentos heterodoxos que permitiram tirar os norte-americanos do fundo da recessão, inaugurou seu mandato com uma advertência que, 79 anos depois, presta-se como uma luva a seus pares de hoje, igualmente assombrados por uma crise de gravidade equivalente, ou pior, que a de então. “A única coisa da qual devemos ter medo é do próprio medo”, disse o líder democrata à Nação, a si mesmo e, agora vê-se, à posteridade.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor-titular da Unicamp e Presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento – que fará um seminário com economistas de todo o mundo para discutir a crise, nos dias 6 e 7 de novembro, no Rio - está preocupado com a semeadura “insandecida” do medo no debate econômico do país no momento.

“O governo”, adverte cuidadosamente o sempre afável professor da Unicamp, “está sendo acossado, assim como toda a sociedade, pela demência de um certo pensamento econômico que pode imobilizá-lo”. Aquilo que ele caracteriza como sendo “o pior produto da metafísica ocidental” materializa-se nas últimas horas em editoriais de jornalões conservadores e repercute em discursos de altos decibéis orquestrados pela oposição parlamentar ao governo Lula. 

“As pessoas simplesmente abstraem a realidade; divagam sobre uma dimensão que não existe mais: o mundo mudou. Radicalmente”, sublinha.

Ao que parece, não para todos. Na última terça-feira, por exemplo, o PSDB levou para questionar o ministro da Fazenda Guido Mantega, em sua fala no Congresso, uma plêiade de exemplares do que há de mais ortodoxo em termos de raciocínio econômico, matéria-prima como se sabe generosa nas trincheiras tucanas e na de seus aliados de palanques e idéias, os assim chamados “democratas”. 

O seleto plantel formado por economistas de banco e de corretoras foi proibido de argüir o ministro. Por certo, Mantega ouviria aquilo que os editoriais vociferavam no mesmo dia em conhecida orquestração: alertas contra a famigerada gastança pública. A escolha da bancada tucana mereceu pelo menos de um alto coturno da agremiação paulista um desabafo não propriamente elogioso às leis de bronze da sabedoria econômica ortodoxa : ”Partido de merda”.

“A situação é muito séria e o governo não pode ter medo de agir”, continua Belluzzo em tom pausado. O professor não costuma se empenhar nos decibéis mas é contundente nas assertivas quando o momento exige: “A demência ensandecida insiste em recitar seu mantra dos livre mercados num momento em que os mercados encontram-se virtualmente pedindo socorro ao Estado”. Nesse ponto seu tom de voz se altera: “Estamos numa corrida contra o tempo: não basta acertar as respostas, é crucial não errar o timming. A resposta adequada ontem poderá ser inútil amanhã – ou hoje”, adverte em entrevista à Carta Maior.

O professor da Unicamp trata sumariamente a ofensiva ortodoxa que já reúne uma fornida trincheira na qual se aboletam impressos quatrocentões, agrupamentos tucanos e demos e que, agora, acaba de receber a chancela do inefável FMI. Das cinzas de uma falência ideológica e financeira, depois de quebrar países urbi et orbi, e a si próprio, por gestão equivocada, o Fundo Monetário, que não encontra mais audiência nem no gabinete de Hank Paulson, o mais novo keynesiano do quarteirão, não hesita em lançar advertências ao governo brasileiro... contra a expansão do "gasto primário". 

“Cortar investimento público em meio a uma crise como essa é reeditar a mesma receita que jogou a Alemanha ao nazismo, em 1933”, qualifica Belluzzo, recordando a obsequiosa gestão pró-mercados do chanceler Brünning, na instável República de Weimar dos anos 20/30. Chefe de gabinete da coalizão católica/social democrata, sob a Presidência do Marechal Von Hinderburg, Brünning tangeu então a economia e o povo alemão rumo a um suicídio histórico perpetrado com doses letais de cortes de gastos públicos; erosão das reservas externas; fuga de capitais e conseqüente desemprego galopante.

Em seu livro “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX” (vencedor do prêmio Juca Pato- 2004) o professor da Unicamp lembra que a contrapartida desse fiasco estratégico foi o avanço fulminante do até então obscuro Partido Nacional Socialista. Nas eleições de setembro de 1930 ele saltou de 12 para 104 cadeiras no parlamento. Hjalmrar Schacht, um banqueiro nacionalista (havia disso no século XX), que depois seria nomeado presidente do Reichsbank, o BC de Hitler, observou então que “a política passiva” do gabinete Brünning, de imobilização pró-cíclica do Estado, endossando o mergulho da economia, não poderia jamais resolver o problema de uma sociedade em meio a uma hecatombe mundial.

De fato não resolveu. Refém de uma prisão ideológica semelhante àquela com a qual o “não intervencionismo nativo” quer capturar e imobilizar o governo Lula nos dias de hoje, a Alemanha protagonizou o pior flagelo da Depressão dos anos 30 em todo o mundo. Sem controle cambial, suas reservas foram exauridas por capitais em fuga. O marco sofreu um esfarelamento que redundou na hiperinflação e na derrocada da República de Weimar - que não encontraria, recorde-se, da parte de comunistas e social-democratas, clareza política para erguer uma barreira à ascensão nazista. O gabinete Brünning –seguido depois pelos de Papen e Schleicher-- delegou os destinos da sociedade ao salve-se quem puder dos mercados. Dois anos e seis milhões de desempregados depois, zero de reservas e inflação galopante, Hitler chegaria ao poder.

A seguir trechos da conversa de Luiz Gonzaga Belluzzo com Carta Maior em que o economista aponta três medidas para o Brasil enfrentar a crise: administração discricionária das reservas cambiais; estatização do crédito direcionado à produção e expansão do investimento público:

É preciso defender as reservas do país com uma administração centralizada. 

“Os capitais estão se bandeando em todo o mundo. Não é um problema brasileiro. Está ocorrendo a mesma coisa da Turquia à Lituânia; do Burundi ao Azerbaijão. É um movimento de fuga para a moeda reserva e para títulos do governo norte-americano. Uma diáspora em busca de segurança e liquidez. A Rússia já decretou o controle cambial; a China, que nunca abriu mão dele, aprofundou a defesa das suas reservas. E o Brasil? O governo deve agir também de forma serena para preservar nossas reservas. Trata-se de adotar uma administração discricionária dos dólares penosamente acumulados nestes anos. Insisto, não é um problema do Brasil. O país está bem, apresenta indicadores mais saudáveis do que a maioria dos outros, inclusive de alguns entre os ricos. Mas é necessário entender que o cenário mudou radicalmente. Acabou o mundo que existiu até meados de setembro de 2008: os investidores querem liquidez e zero de risco. Para eles, hoje, isso significa proteger-se na moeda reserva que é o dólar: vão buscá-la onde estiver. Nas nossas reservas, inclusive. A menos que fixemos barreiras contra isso”

A ilusão dos fundamentos e do equilíbrio via liberdade da conta de capitais

“Diante de uma manada em movimento não adianta acenar o boletim de boas notas nos fundamentos. A manada, como sabem os vaqueiros experimentados, após o estouro, não obedece a qualquer tipo de coerência. A crise é o estouro. Estamos diante de uma dinâmica regida por impulsos irrefletidos, portando, infundamentados. Esqueçam a blindagem dos fundamentos. A lógica agora é a falta de fundamentos – não do Brasil, da dinâmica mundial. O Brasil fez tudo direitinho; tem um superávit robusto, inclusive. Mas se não agir de forma defensiva receberá da manada o mesmo tratamento de uma economia com déficit público de 10%. O governo não pode dar ouvido aos que insistem em lutar a guerra do dia anterior, pior, com armas obsoletas. Quem acha que o equilíbrio das contas correntes do pais pode ser delegado ao livre fluxo de capitais não entendeu ainda o que se passa. Quando vier a entender talvez seja tarde demais. A idéia liberal de que você pode gastar mais do que exporta, por exemplo, porque o ingresso de investimentos externos fechará as contas do país pode até ser verdade. Mas eu pergunto: em que circunstâncias? Lamento informar que as circunstâncias mudaram. Vamos esperar o equilíbrio prometido até o dólar atingir qual cotação? Ao custo de bilhões em sangria nas reservas, esse é o risco. E mesmo assim, sem estabilizar o câmbio.

Expandir o crédito e investimentos públicos que maximizem dinâmicas produtivas

O governo brasileiro não pode sacrificar o PAC em nome de uma religião de superávit primário. Economia não é metafísica (se fosse o banco do Vaticano não acumularia prejuízos...). O PAC não apenas deve ser preservado: o governo deve expandir o gasto em investimentos que maximizem efeitos multiplicadores para trás e para frente, na forma de emprego, encomendas às cadeia produtivas e expansão de uso de capacidade instalada. Ninguém está falando aqui em gasto com a máquina pública. Não é gasto de custeio. É para injetar recursos adicionais em projetos e áreas que rapidamente possam irradiar seus efeitos em todo sistema. Trata-se de reverter a dinâmica da desaceleração em curso na economia.

Numa hora dessas não podemos gerar emprego para os chineses
As ações devem ser coordenadas; uma resposta requer a complementação de outra, ou não funciona. Se vamos investir recursos públicos para gerar empregos e renda aqui dentro, não podemos deixar esse esforço escapar para o exterior. Daí por que é indispensável uma administração firme das reservas. Caso contrário, o dinheiro público aportado aqui vai abrir vagas no mercado de trabalho chinês, via importações que podem perfeitamente ser atendidas pela nossa cadeia industrial. Dentro dessa mesma lógica, a política de exportações não pode ignorar o mundo da crise. A China tentará furiosamente preservar seus empregos e o PIB invadindo todos os mercados com seus produtos. Eles já criaram inclusive um subsídio para azeitar ainda mais a engrenagem comercial do país. A partir de agora os exportadores chineses contam com um prêmio de 13% sobre a receita obtida no exterior. É algo semelhante ao nosso crédito prêmio para exportação. O que não pode acontecer numa hora dessas – e está acontecendo - é a nossa burocracia falar em extinguir o crédito-prêmio aos exportadores brasileiros. Em nome de quê? Corte de gastos público? De novo cabe informar, o mundo econômico está conflagrado. O governo deve esquivar-se daqueles que ostentavam certezas graníticas nas virtudes da auto-regulação dos mercados. Suas lições maciças, esféricas eu diria, geraram, entre outros rebentos, a crise monstruosa que hoje nos ameaça.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Rir faz bem pro coração


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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Prêmio merecido


Em tempos de crise, Paul Krugman ganhar o prêmio Nobel faz todo o sentido. Abaixo um artigo da "The Economist" comentando as contribuições deste importante economista.


Bold strokes

Oct 16th 2008 From The Economist print edition

WHEN Paul Krugman won the Nobel prize in economics on October 13th, the news was greeted with nostalgia as well as congratulation by some of his fellow economists. Since 1999 Mr Krugman has written a twice-weekly column for the New York Times, in which he has devoted himself to attacking the Bush administration and all of its works. The nostalgists feel these jeremiads have distracted him from the cutting-edge research that secured his reputation. The polemicist, they feel, has buried the theorist.

And yet the old Krugman is still recognisable in the new. Indeed, the arts of the columnist are not so far removed from Mr Krugman’s style as an economist. In his most celebrated academic papers, Mr Krugman paints with bold strokes, striving to render his insights as starkly as possible. Like a good columnist, he cuts to the quick of a problem, stripping it of clutter and encumbering nuance. The result is a revealing caricature: what economists call “models”.

Mr Krugman won the prize for his models of international trade and economic geography. Both belong to the same grand project he confidently launched just a year after earning his doctorate: “Before my 25th birthday,” he has written, “I basically knew what I was going to do with my professional life.” In 1978 he realised that a model of “monopolistic competition”, published a year earlier by Avinash Dixit and Joseph Stiglitz, could help him introduce economies of scale into trade theory and beyond.

Economies of scale had long posed awkward problems for theorists. If bigger firms face lower costs, then in principle one firm should supply the entire market, thereby enjoying the lowest costs of all. But in the Dixit-Stiglitz model, this monopolising logic is offset by a countervailing force: consumers’ taste for variety. People prefer to spread their custom over different versions of the same good. The market is therefore carved up among competing firms, each offering a product bearing its own distinctive stamp. The model is highly stylised. Nonetheless it gave Mr Krugman, as he put it, “a tool to open cleanly what had previously been regarded as a can of worms”.

Mr Krugman used this tool to save economics from an abiding empirical embarrassment. According to one of the discipline’s founding doctrines, countries gain from specialisation and exchange, concentrating on what they do best and importing the rest. The theory explains why the Portuguese might sell wine in exchange for English cloth. But it cannot explain why similar countries, blessed with similar ratios of capital, labour and land, should so vigorously trade similar goods back and forth. This is not a small blind spot. According to the World Trade Organisation, 52% of Germany’s exports to France are things France also produces and exports to Germany. But the Dixit-Stiglitz model, with its subtly differentiated firms competing for variety-loving consumers, lent itself to explaining why Germans might import Renaults, even as the French imported Volkswagens.

Mr Krugman’s model showed that when trade barriers fall, firms gain access to bigger markets, allowing them to expand production and reap economies of scale. But openness also exposes them to competition from rival foreign firms, paring their margins. Some firms may go out of business. But between the domestic survivors and the foreign entrants, consumers still have more goods to choose from. Thus the gains from trade arise not from specialisation, but from scale economies, fiercer competition and the cornucopia of choice that globalisation provides.

Scale economies also allowed Mr Krugman to give economics for the first time a sense of space. In a 1991 article, he notes that night-time satellite photos of Europe reveal the distinctive contours of economic activity: bright lights cluster around metropolitan centres, shining particularly brightly around the triangle of Brussels, Amsterdam and Dortmund.

Before Mr Krugman, economists found these images difficult to square with the rest of their body of theory. They were accustomed to assuming that firms face constant returns to scale. But if that were true, then every peasant could build a small smelter or assembly line in his backyard. There would be no need for an economy to divide into a farm belt and an industrial belt.

Geography lessons

In Mr Krugman’s model, by contrast, big factories benefit from lower costs of production. Manufacturing firms might therefore cluster near to a large market, leaving behind a sparsely populated hinterland, in order to make the most of scale economies and minimise the cost of transporting goods to their customers.

Earlier theorists had instead assumed that firms herd together to benefit from some kind of “spillover”. Perhaps firms pick up tricks of the trade and other know-how from their neighbours. However plausible, these explanations were nonetheless unsatisfying. Because economists could not measure spillovers or delimit their scope (“How far does a technological spillover spill?” Mr Krugman wondered), they could invoke them to explain just about anything.

Mr Krugman’s models instead identified a less elusive benefit of proximity. He pointed out that a firm’s decision to locate in a district is a gift to other firms in the area, because in attracting new workers it also brings new customers. Unlike a technological spillover, this gift would in principle leave a paper trail, showing up in local firms’ sales figures.

In neither contribution did Mr Krugman claim great originality for his ideas or great realism. His achievement was to formalise insights that many people had previously had informally. Ideas that had fluttered in and out of people’s grasp for decades, he pinned down like a butterfly on display. Sometimes a good economist, like a good columnist, succeeds not by making a point before everyone else, but by making it better than anyone else.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Saco de batatas

No multipartidarismo gigantesco do Brasil, encontramos muitas batatas do mesmo saco. Alguma coisa está errada. Já que os comedores de batatas são muito diferentes, que as batatas também sejam. E em suas essências, porque da casca pra fora não adianta.

20/10/2008
O PT gasta e o PSDB mente
"Não dá para acreditar no governo se não apertar os cintos", diz o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, segundo nota no site do partido. Os tucanos criticam a lerdeza do governo Lula e dizem que a crise exige cortes de gastos federais. Sim, o governo do PT encomenda gastos que vão cair na conta dos próximos muitos governos federais. Mas o faz com o apoio do PSDB e de seu companheiro de viagem, o DEM (PFL). A "oposição" votou na maciota e caladinha o aumento de 1,4 milhão de servidores públicos. Queria reajustar todos os benefícios do INSS pelo mesmo índice do mínimo (foram derrotados no Congresso). Queriam mais gastos para saúde (o assunto morreu quando o governo veio com a história da nova CMPF). Sim, o PT gasta, e o PSDB mente com enorme cara-de-pau.
Blog da Folha / Blog de Vinicius Torres Freire às 22h16

Em nome do Pai e do Filho

Lula em mais uma analogia. O Pai é o Estado e o Filho é o mercado. Qualquer probleminha que o filho tem corre atrás do pai em busca de ajuda. Isso não vai revolucionar a Teoria do Estado, mas se a visão neoliberal for deixada de lado como está se falando, a redefinição do papel do Estado no mundo globalizado vai ter um novo capítulo, no qual Brasil e outros países emergentes não vão aparecer apenas na nota de rodapé.

Lula admite reduzir orçamento de ministérios com efeitos da crise

MARINA NOVAES
21/10/2008 - 13h55
colaboração para a Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu nesta terça-feira que, caso a crise financeira mundial atinja o Brasil com mais força, poderá haver corte dos investimentos da União previstos nos orçamentos dos ministérios. A declaração foi feita durante discurso realizado em São Paulo, no evento de comemoração dos 60 anos do SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
"Eu não posso assumir o compromisso com vocês de que se houver uma crise econômica que abale o Brasil a gente vai manter todo o dinheiro em todos os ministérios. Até porque se a União arrecadar menos, vai ter menos dinheiro para dividir com todo mundo. Só que a gente não pode vender ilusão aqui", afirmou Lula.
O secretário-adjunto da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, disse nesta terça-feira que o crescimento da arrecadação neste ano pode ficar abaixo dos 10% previstos pelo governo até o mês passado. Ele também afirmou que os efeitos da crise econômica sobre os resultados de 2009 já preocupam o governo.
O presidente também ressaltou a participação dos países emergentes nas ações anticrise. "É importante ter em conta que essa crise pode chegar ao Brasil muito mais leve que nos países de origem. [...] Mas quem está dando solidez à economia mundial são os países periféricos: Brasil, China, indica, África, os países da América Latina, entre outros."
Lula voltou a afirmar que o país não terá pacote econômico. "Não vamos fazer nenhum pacote econômico na expectativa de que as medidas que já nos foram apresentadas dêem resultado", disse, em referência aos pacotes apresentados pelos Estados Unidos e por governos da Europa.
Nesta segunda-feira, porém, o governo anunciou novas medidas de crédito para aliviar os efeitos da crise. A agricultura ganhará mais R$ 2,5 bilhões, e a construção civil deve receber entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões.
Na SBPC, ele destacou ainda do fortalecimento do Estado no sistema financeiro. "Até o Bush está falando em comprar ações dos bancos privados, ou seja, significa que o coração do regime capitalista começa a ter gostinho pelo papel do Estado, que esteve desmoralizado nos últimos trinta anos e agora volta a ser peça importante"
Em tom de brincadeira, o presidente comparou o papel do Estado à relação entre pai e filho. "Quando um filho adolescente vem atrás do pai? Quando está sem dinheiro ou quando está doente. Ou seja, o mercado que poderia resolver tudo e nos últimos trinta anos ditou regras para a sociedade, no primeiro fracasso, para quem eles recorrem? Ao paizão que é o Estado. Obviamente que eu acho que o Estado tem que ajudar a resolver o problema. E acho que a saída de não dar dinheiro para banco, mas comprar ações do banco é muito importante. Porque isso permite que o Estado volte a exercer o papel de influência sobre o sistema financeiro internacional, que não tinha nenhum controle", disse. "Aqui no Brasil nós estamos com as instituições públicas muito fortalecidas: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES. Portanto, estamos comprando carteira em bancos de investimentos que tiveram problemas e vamos comprar mais", afirmou Lula.

Desequilíbrio midiático na disputa eleitoral de São Paulo

Com certeza os meios de comunicação correm atrás dos fatos mais relevantes para publicarem. Com certeza fatos relevantes não ocorrem de maneira igual para todos candidatos. Com certeza os meios de comunicação apresentarão mais fatos relevantes de um candidato do que de outros. Até aí, tudo bem. Mas... como são escolhidos os fatos relevantes? Existe uma diferença tão grande entre fatos relevantes de um e outro candidato? O artigo abaixo publicado pela Carta Maior traz dados sobre a disputa eleitoral em São Paulo e as respectivas coberturas dos jornais paulistanos.

A mídia e o primeiro turno das eleições em São Paulo

Com o início do horário eleitoral no rádio e na televisão, na campanha do primeiro turno, noticiário dos principais jornais paulistanos privilegiou a polarização entre as candidaturas do DEM e PSDB e esvaziou o noticiário da candidata petista Marta Suplicy.

O Observatório Brasileiro de Mídia publicou segunda-feira (20) o balanço da cobertura das eleições para prefeito de São Paulo feita pelos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Agora São Paulo e Diário de S. Paulo. De acordo com a instituição, a cobertura das eleições paulistanas feita pelos jornais observados durante o primeiro turno pode ser dividida em dois períodos.

Na primeira metade da campanha, entre os dias 06/07 e 18/08 a cobertura das principais candidaturas teve equilíbrio tanto no que diz respeito à quantidade de reportagens publicadas para cada um dos candidatos, quanto a qualificação dos textos em relação à disputa eleitoral.

Depois do início do horário eleitoral, houve aumento significativo na quantidade de reportagens sobre Gilberto Kassab e diminuição do percentual de reportagens sobre Marta Suplicy. Geraldo Alckmin teve percentual intermediário de reportagens em relação aos dois candidatos.

A observação constatou que com o início do horário eleitoral gratuito, os jornais passaram a dar mais destaque às candidaturas do DEM e do PSDB com viés favorável a Gilberto Kassab e desfavorável a Geraldo Alckmin. A cobertura apresentou as campanhas de Kassab e Alckmin de maneira contrárias. Enquanto o atual prefeito foi apresentado como o candidato que tinha mais e melhor estrutura, apoio de lideranças do PSDB, maior tempo de TV e melhor programa; a candidatura do tucano foi noticiada em ambiente contínuo de crise, falta de recursos e falta de apoio interno no partido.

A candidatura da ex-prefeita Marta Suplicy foi noticiada em menor volume do que a dos seus dois principais oponentes. A candidata do PT, embora tivesse o apoio do presidente Lula e melhor posição nas pesquisas de intenção de voto, teve essas situações secundarizadas no noticiário que privilegiou a polarização entre as candidaturas do DEM e PSDB e esvaziou o noticiário da petista. Enquanto o candidato do DEM teve 65 reportagens que noticiaram o apoio de lideranças tucanas, a petista teve 21 reportagens sobre o apoio do presidente, de ministros e lideranças políticas importantes como a deputada Luíza Erundina. 

A publicação das pesquisas de intenção de voto privilegiaram destacar o crescimento de Kassab e queda de Alckmin. 

O noticiário sobre a candidata do PT teve grau de criticidade diferente do dispensado aos seus dois principais adversários que não tiveram nenhuma de suas propostas analisadas em tom crítico enquanto duas das principais propostas da candidata: a ampliação do metrô e a universalização da banda larga de acesso à internet, foram discutidas sob o viés da viabilidade. 

No decorrer das seis últimas semanas, quando ficou caracterizado o desequilíbrio em favor da candidatura de Gilberto Kassab em detrimento da candidatura de Geraldo Alckmin, o jornal O Estado de S. Paulo foi o jornal que mais corroborou com o desequilíbrio, seguido pelo Jornal da Tarde.

Em ambos os veículos Kassab teve altos percentuais de reportagens favoráveis e Geraldo Alckmin de desfavoráveis.

A Folha de São Paulo super expôs de maneira favorável a candidatura Kassab. Em relação as reportagens desfavoráveis, alternou entre as candidaturas de Marta Suplicy e de Geraldo Alckmin, comportamento editorial seguido pelo Agora.

O Diário de S. Paulo teve maior oscilação do que os demais veículos em relação as candidaturas com maior percentual de reportagens favoráveis, que oscilou entre Kassab e Marta Suplicy. Já em relação às reportagens desfavoráveis, o jornal, a exemplo de O Estado de S. Paulo e Jornal da Tardenoticiou a candidatura tucana com altos percentuais de reportagens desfavoráveis nas últimas semanas da campanha do primeiro turno.

sábado, 18 de outubro de 2008

Eleições municipais: o sobe e desce dos partidos políticos no Brasil

Nesse artigo de Jairo Nicolau, estudioso do sistema eleitoral brasileiro, o autor analisa os resultados do primeiro turno das eleições municipais e introduz um novo olhar sobre a retórica das perdas e ganhos eleitorais: os dados sobre a vereança.

Como avaliar quem saiu vencedor nas eleições municipais

Eleições municipais no Brasil têm sempre muitos vencedores e quase nunca perdedores. Contados os votos, os dirigentes partidários sempre arrumam um jeito de fazer com que sua legenda saia bem das urnas. E não é difícil que isso aconteça. Basta escolher a estatística eleitoral que lhe favoreça. As opções são diversas: número de prefeitos eleitos, votação para prefeito e número de vereadores eleitos. Sem contar nas diversas agregações por tipo de cidade: capitais; cidades com dois turnos; cidades acima de 150 mil habitantes.

Se quisermos avaliar a força dos partidos pelo território nacional a simples contagem de prefeituras não é um bom caminho. A razão é simples: as cidades brasileiras variam significativamente em termos de população e importância política. Se somarmos a população dos 1 362 municípios brasileiros abaixo de 5 mil moradores chegaremos a 4,6 milhões. Menos do que a população da cidade do Rio de Janeiro (6,1 milhões). O que importa, então, sabermos quantas prefeituras um partido conquistou se não soubermos nada sobre a natureza dessas cidades?

Outro problema de considerar as prefeituras obtidas como critério é que em muitas cidades os partidos não apresentam candidatos próprios, preferindo apoiar o de outras legendas. O PT não apresentou candidato próprio em Belo Horizonte. O PSDB apoiou Gabeira no Rio de Janeiro e não apresentou candidato em Belo Horizonte. Os exemplos vão se multiplicando pelos 5 665 municípios brasileiros.

Por isso, o melhor indicador para avaliar o poder dos partidos pelo país é a votação para vereador. Se um partido tem um mínimo de organização em uma determinada cidade, ele apresenta pelo menos um candidato na disputa para a Câmara Municipal. O partido pode não lançar candidato à prefeitura, pode não participar de coligações, mas certamente concorrerá com pelo menos um nome à vereança. Por isso, quando somamos os milhares de esforços dos militantes dos partidos por todo o país temos um bom quadro da real inserção do partido.

A tabela abaixo apresenta a votação final obtida pelos principais partidos brasileiros na disputa para as Câmaras Municipais nas três eleições realizadas nesta década.

Partido

2000

2004

2008

PMDB

13,4

11,4

11,8

PT

9,4

10,7

10,3

PSDB

11,4

11,3

10,5

DEM

12,0

9,5

7,9

PP

9,2

7,5

7,1

PDT

6,8

6,3

6,6

PTB

8,0

7,0

6,2

PSB

4,2

4,6

5,9

PR

5,1

6,3

5,3

PPS

4,8

5,4

4,3

PV

1,3

3,0

3,9

PCdoB

0,7

1,3

2,1

Outros

13,7

15,7

18,1


Percentual de votos para vereador: 
eleições de 2000, 2004 e 2008

 
Os números mostram que a votação dos partidos sofre pequenas alterações de uma eleição para outra. Nenhum dos partidos listados perdeu ou ganhou mais de três pontos percentuais entre duas eleições, o que revela uma grande estabilidade na política local, base que sustenta o sistema partidário.

Ao longo da década, os três principais partidos (PMDB, PT e PSDB) mantiveram-se relativamente estáveis. Alguns partidos tiveram pequenos crescimentos (PSB, PC do B e PV), enquanto outros tiveram pequenos decréscimos (PP, PTB, PR).

A mudança mais acentuada aconteceu com o DEM (antigo PFL). O partido era o segundo mais votado em 2000 e agora é o quarto. Seu encolhimento nesta eleição o afasta dos três maiores e o aproxima dos partidos médios. Em resumo: a nova sigla (DEM) não consegui deter a tendência de declínio já vivida pelo PFL.

Muitos analistas sempre buscam encontrar os abalos sísmicos produzidos por uma eleição: Quem ganhou? Quem perdeu? Que forças desapareceram? Que lideranças emergiram? Os dados acima mostram que, pelo menos no âmbito municipal, a metáfora do terremoto não é a mais apropriada. As eleições deste ano, mais uma vez, produziram apenas pequenos movimentos nas placas tectônicas do sistema partidário brasileiro.

Por Jairo Nicolau (Blog Veja – Eleições -  16 de outubro de 2008)


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Another brick in the wall

Mesmo com todos os "poréns" a Frei Betto, há que se refletir sobre a extensão nominal do dinheiro liberado. Podemos até pensar que o aprofundamento de uma crise destas poderia expandir ainda mais a pobreza no mundo. Mas aí entramos na velha discussão de algumas "esquerdas": quanto pior, melhor?

O abalo dos muros

Frei Betto

Folha de S.Paulo, 5.10.2008

NO PRÓXIMO ano, completam-se 20 anos da queda do Muro de Berlim, símbolo da bipolaridade do mundo dividido em dois sistemas: capitalista e socialista. Agora assistimos ao declínio de Wall Street (rua do Muro), na qual se concentram as sedes dos maiores bancos e instituições financeiras.
O muro que dá nome à rua de Nova York foi erguido pelos holandeses em 1652 e derrubado pelos ingleses em 1699. Nova Amsterdam deu lugar a Nova York.
O apocalipse ideológico no Leste Europeu, jamais previsto pelos analistas, fortaleceu a idéia de que fora do capitalismo não há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panacéia para o bom andamento da economia.
Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro. Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens e serviços. A bolha especulativa inflou e, súbito, estourou.
Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena do "menos Estado e mais iniciativa privada". Na hora da crise, apela-se ao Estado como bóia de salvamento na forma de US$ 700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo consumido em um ano naquele país) a serem injetados para anabolizar o sistema financeiro.
O programa Bolsa-Fartura de Bush reúne quantia suficiente para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos últimos 12 meses, o número de famintos crônicos subiu de 854 milhões para 950 milhões, segundo Jacques Diouf, diretor-geral da FAO (Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11 milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à construção civil. Os fundos de pensão, descapitalizados, não terão como honrar os direitos de milhões de aposentados, sobretudo de quem investiu em previdência privada.
A restrição do crédito tende a inibir a produção e o consumo. Os bancos de investimentos colocam as barbas de molho. Os impostos sofrerão aumentos. O mercado ficará sob regime de liberdade vigiada: vale agora o modelo chinês de controle político da economia, e não mais o controle da política pela economia, como ocorre no neoliberalismo.
Em 1967, J.K. Galbraith chamava a atenção para a crise do caráter industrial do capitalismo. Nomes como Ford, Rockefeller, Carnegie ou Guggenheim, exemplos de empreendedores, desapareciam do cenário econômico para dar lugar à ampla rede de acionistas anônimos. O valor da empresa deslocava-se do parque industrial para a Bolsa de Valores.
Na década seguinte, Daniel Bell alertaria para a íntima associação entre informação e especulação e apontaria as contradições culturais do capitalismo: o ascetismo (= acumulação) em choque com o estímulo consumista os valores da modernidade destronados pelo caráter iconoclasta das inovações científicas e tecnológicas lei e ética em antagonismo quanto mais o mercado se arvora em árbitro das relações econômicas e sociais.
Se a queda do Muro de Berlim trouxe ao Leste Europeu mais liberdade e menos justiça, introduzindo desigualdades gritantes, o abalo de Wall Street obriga o capitalismo a se repensar. O cassino global torna o mundo mais feliz? Óbvio que não. O fracasso do socialismo real significa vitória do capitalismo virtual (real para apenas um terço da humanidade)?
Também não.
Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises financeiras, e sim pela exclusão -de acesso a bens essenciais de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e educação- de dois terços da humanidade. São 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a pobreza, com renda diária inferior a US$ 2.
Há, sim, que buscar, com urgência, um outro mundo possível, economicamente justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável.

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO , o Frei Betto, 64, frade dominicano e escritor, é autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Chomsky e os rumos antidemocráticos da política econômica

A conclusão de Noam Chomsky, neste artigo, é a de que "no rastro do desmantelamento do sistema do pós-guerra a democracia tenha sido restringida. Fez-se necessário controlar e marginalizar de algum modo a população e a opinião pública, processos particularmente evidentes nas sociedades mais avançadas no mundo dos negócios, como os EUA". Uma boa leitura crítica que aborda a relação entre política econômica e democracia. 


NOAM CHOMSKY

A cara antidemocrática do capitalismo

A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado.

O desenvolvimento de uma campanha presidencial norte-americana simultaneamente ao desenlace da crise dos mercados financeiros oferece uma dessas ocasiões em que os sistemas político e econômico revelam vigorosamente sua natureza.

Pode ser que a paixão pela campanha não seja uma coisa universalmente compartilhada, mas quase todo mundo pode perceber a ansiedade desencadeada pela execução hipotecária de um milhão de residências, assim como a preocupação com os riscos que correm os postos de trabalho, as poupanças e os serviços de saúde.

As propostas iniciais de Bush para lidar com a crise fediam a tal ponto a totalitarismo que não tardaram a ser modificadas. Sob intensa pressão dos lobbies, foram reformuladas “para o claro benefício das maiores instituições do sistema...uma forma de desfazer-se dos ativos sem necessidade de fracassar ou quase”, segundo descreveu James Rickards, que negociou o resgate federal por parte do fundo de cobertura de derivativos financeiros Long Term Capital Management em 1998, lembrando-nos de que estamos caminhando em terreno conhecido.

As origens imediatas do desmoronamento atual estão no colapso da bolha imobiliária supervisionada pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, que foi quem sustentou a coitada da economia dos anos Bush, misturando o gasto de consumo fundado na dívida com a tomada de empréstimos do exterior. Mas as razões são mais profundas. Em parte, fala-se no triunfo da liberalização financeira dos últimos 30 anos, quer dizer, nas políticas consistentes em liberar o máximo possível os mercados da regulação estatal. 

Como era previsível, as medidas tomadas a esse respeito incrementaram a frequência e a profundidade dos grandes reveses econômicos, e agora estamos diante da ameaça de que se desencadeie a pior crise desde a Grande Depressão. 

Também era previsível que os poucos setores que cresceram com os enormes lucros oriundos da liberalização demandariam uma intervenção maciça do estado, a fim de resgatar as instituições financeiras colapsadas. 

Esse tipo de intervencionismo é um traço característico do capitalismo de estado, ainda que na escala atual seja inesperado. Um estudo dos pesquisadores em economia internacional Winfried Ruigrok e Rob van Tulder descobriu, há 15 anos, que pelo menos 20 companhias entre as100 primeiras do ranking da revista Fortune, não teriam sobrevivido se não tivessem sido salvas por seus respectivos governos, e que muitas, entre as 80 restantes, obtiveram ganhos substanciais através das demandas aos governos para que “socializassem suas perdas”, como hoje o é o resgate financiado pelo contribuinte. Tal intervenção pública “foi a regra, mais que a exceção, nos dois últimos séculos”, concluíram.

Numa sociedade democrática efetiva, uma campanha política teria de abordar esses assuntos fundamentais, observar as causas e os remédios para essas causas, e propor os meios através dos quais o povo que sofre as conseqüências pudesse chegar a exercer um controle efetivo. 

O mercado financeiro “despreza o risco” e é “sistematicamente ineficiente”, como escreveram há uma década os economistas John Eatwell e Lance Taylor, alertando sobre os gravísimos perigos que a liberalização financeira engendrava, e mostrando os custos em que já se tinha incorrido. 

Ademais, propuseram soluções que, deve-se dizer, foram ignoradas. Um fator de peso é a incapacidade de calcular os custos por parte daqueles que não participam dessas transações. Essas "externalidades" podem ser enormes. A ignorância do risco sistêmico leva a uma maior aceitação de riscos do que se daria numa economia eficiente, e isso adotando, inclusive, os critérios menos exigentes. 

A tarefa das instituições financeiras é arriscar-se e, se são bem gestionadas, assegurar que as potenciais perdas em que elas mesmas podem incorrer serão cobertas. A ênfase há que pôr-se “nelas mesmas”. Segundo as regras do capitalismo de estado, levar em conta os custos que para os outros possam ter – as “externalidades” de uma sobrevivência decente – umas práticas que levem, como espectro, a crises financeiras é algo que não lhes diz respeito. 

A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado. 

Os investidores e credores podem “votar” com a fuga de capitais, com ataques às divisas e com outros instrumentos que a liberalização financeira lhes serve de bandeja. Essa é uma das razões pelas quais o sistema de Bretton Woods, estabelecido pelos EUA e pela Grã Bretanha depois da II Guerra Mundial, instituiu controle de capitais e regulou o mercado de divisas (1).

A Grande Depressão e a Guerra puseram em marcha poderosas correntes democráticas radicais que iam desde a resistência antifascita até as organizações da classe trabalhadora. Essas pressões tornaram possível que se tolerassem políticas sociais democráticas. O sistema Bretton Woods foi, em parte, concebido para criar um espaço no qual a ação governamental pudesse responder à vontade pública cidadã, quer dizer, para permitir certa democracia. 

John Maynard Keynes, o negociador britânico, considerou o direito dos governos a restringir os movimentos de capitais a mais importante conquista estabelecida em Bretton Woods. 

Num contraste espetacular, na fase neoliberal que se seguiu ao desmonte do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o Tesouro norte-americano passa a considerar a livre circulalação de capitais um “direito fundamental”. À diferença, nem precisa dizer, dos pretensos “direitos” garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, ao emprego decente, à segurança e outros direitos que as administrações de Reagan e de Bush chamaram com desprezo de “cartas a Papai Noel”, “ridículos” ou meros “mitos”.

Nos primeiros anos, as pessoas não tiveram maiores problemas com o assunto. As razões disso Barry Eichengreen estudou em sua história, impecavelmente acadêmica, do sistema monetário. Nessa obra se explica que, no século XIX, os governos “ainda não estavam politizados pelo sufrágio universal masculino, o sindicalismo e os partidos trabalhistas parlamentares. Por conseguinte, os graves custos impostos pelo parlamento virtual podiam se transferidos para toda a população.

Porém, com a radicalização da população e da opinião pública que se seguiu à Grande Depressão e à guerra antifascista, o poder e a riqueza privados privaram-se desse luxo. Daí que no sistema Bretton Woods “os limites da democracia como fonte de resistência às pressões do mercado foram substituídos por limites à circulação de capitais.” 


O corolário óbvio é que no rastro do desmantelamento do sistema do pós-guerra a democracia tenha sido restringida. Fez-se necessário controlar e marginalizar de algum modo a população e a opinião pública, processos particularmente evidentes nas sociedades mais avançadas no mundo dos negócios, como os EUA. A gestão das extravagâncias eleitorais por parte da indústria de relações públicas constitui uma boa ilustração. 

“A política é a sombra da grande empresa sobre a sociedade”, concluiu em seus dias o maior filósofo norte-americano do século XX, John Dewey, e assim seguirá sendo, enquanto o poder consista “nos negócios para benefício privado através do controle da banca, do território e da indústria que agora se vê reforçada pelo controle da imprensa, dos jornalistas e sobretudo dos meios de publicidade e propaganda.”

Os EUA tem efetivamente um sistema de um só partido, o partido dos negócios, com duas facções, republicanos e democratas. Há diferenças entre eles. Em seu estudo sobre A Democracia Desigual: a economia política da nova Era da Cobiça, Larry Bartels mostra que durante as últimas seis décadas “a renda real das famílias de classe média cresceu duas vezes mais rápido sob administração democrata que republicana, enquanto a renda real das famílias pobres da classe trabalhadora cresceu seis vezes mais rápido sob os democratas que sob os republicanos”.

Essas diferenças também podem ser vistas nestas eleições. Os eleitores deveriam tê-las em conta, mas sem ter ilusões sobre os partidos políticos, e reconhecendo o padrão regular que, nos últimos séculos, vem revelando que a legislação progressista e de bem-estar social sempre foram conquistas das lutas populares, nunca presentes dos de cima. 

Essas lutas seguem ciclos de êxitos e de retrocessos. Hão de ser travadas a cada dia, não só a cada quatro anos, e sempre visando à criação de uma sociedade genuinamente democrática, capaz de resposta em toda parte, nas urnas não menos do que no posto de trabalho. 

* Noam Chomsky, professor emérito de linguística no MIT – Massachussets Institute of Technology

(1) O sistema de Bretton Woods de gestão financeira global foi criado por 730 delegados de 44 nações aliadas na II Guerra Mundial, que compareceram a uma Conferência Monetária e Financeira organizada pela ONU no hotel Mont Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, em 1944. Bretton Woods, que colapsou em 1971, era o sistema de normas, instituições e procedimentos que regulavam o sistema monetário internacional e sob cujos auspícios se criou o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – agora uma das cinco instituições que compõem o Grupo do Banco Mundial— e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passaram a funcionar em 1945. 

O traço principal de Bretton Woods era a obrigação de todos os paísses de adotar uma política monetária que mantivesse dentro de valores fixos a taxa de câmbio de sua moeda. O sistema colapsou quando os EUA suspenderam a convertibilidade do padrão ouro do dólar. Isso criou a insólita situação na qual o dólar chegou a converter-se em “moeda de reserva” para os outros países que estavam no Bretton Woods.


Tradução: Katarina Peixoto