terça-feira, 25 de novembro de 2008

Lula e o G-20

Os avanços nas negociações do G-20 estão claramente ligadas à postura de Lula no encontro. De outro lado, Berlusconi mostrou grande dor de cotovelo quanto ao fato do G-8 ter ficado em segundo plano. 

O Brasil foi ouvido

As idéias que Lula levou a Washington, como a retomada da Rodada de Doha e o freio no protecionismo, foram os principais avanços na reunião do G-20

Isto é Dinheiro

DENISE BACOCCINA, enviada especial a Washington

SENTADO SEMPRE À DIREITA de George W. Bush, até outro dia o homem mais poderoso sobre a face da Terra, o presidente Lula foi um dos protagonistas da reunião do G-20, em Washington, definida por ele como um momento "histórico", que marcará a entrada dos países em desenvolvimento no grupo que toma decisões sobre a economia mundial. A previsão foi recebida com ceticismo por alguns, mas a verdade é que o Brasil conseguiu, sim, ser ouvido e colocar em pauta uma das principais bandeiras do governo nas relações externas: os países do G-20, que representam 80% do PIB mundial, se comprometeram a não adotar barreiras ao comércio internacional por um ano e a tentar um acordo para retomar as negociações da Rodada de Doha até o fim deste ano. As conseqüências práticas começaram a ser sentidas já nos dias seguintes. O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, marcou uma reunião ministerial para o início de dezembro. Os embaixadores dos 30 principais países negociadores se reúnem já nesta segunda- feira 24, em Genebra para tentar uma agenda prévia. Na quinta-feira 20, a União Européia anunciou um acordo para a redução de subsídios agrícolas dentro do bloco, uma das exigências dos países exportadores agrícolas. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, entusiasta da Rodada Doha, está satisfeito com a movimentação em direção a um acordo. "Mais do que uma janela de oportunidade, há agora uma janela de necessidade", disse o ministro numa reunião em São Paulo, na quinta-feira 20, com o secretário de Agricultura americano, Ed Schafer. O compromisso do G-20 de rejeitar o protecionismo foi um passo importante. Havia um grande receio de que a crise levasse a uma reação protecionista, como aconteceu nos anos 30. Desta vez, ao contrário, ela parece levar o mundo em direção a um acordo comercial global.

Se no comércio os efeitos práticos ainda não estão aparecendo, na política o Brasil já conseguiu uma vitória com a consolidação do G-20 como o foro de discussão da crise e o compromisso do engajamento numa reforma do sistema financeiro internacional. O grupo financeiro do G-20, que conta com minsitros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, foi criado na crise dos mercados ocorrida nos anos 90 e, atualmente, é presidido pelo Brasil. "Saio daqui com a certeza de que a geografia política do mundo ganhou uma nova dimensão", disse Lula, depois de dois dias de reuniões e um jantar na Casa Branca. "O dia de hoje é um dia histórico para a política mundial." O último encontro do presidente antes de embarcar de volta não poderia ser mais simbólico: uma reunião bilateral com o presidente da China, Hu Jintao. No dia anterior, ele havia se encontrado com outros pesos pesados, como o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e do Japão, Taro Aso.

Além do compromisso sobre comércio internacional, o comunicado oficial trouxe um acordo sobre a necessidade de regular o sistema financeiro internacional e de atuar de forma coordenada para evitar uma recessão mundial. "O G-20 abriu muitas portas. Se vamos avançar ou não, depende de cada um. Os temas são complexos e ainda têm que ser discutidos em profundidade. Mas já é um avanço que todos tenham concordado em discutir esses temas", disse à DINHEIRO o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Um dos pontos mais surpreendentes foi a concordância de todos os países - inclusive dos Estados Unidos, em princípio contra qualquer tipo de supervisão externa - em se submeter ao programa de controle do setor financeiro (FSPA) do Fundo Monetário Internacional. Atualmente, dos 20 países representados na reunião, apenas 13 se submetem ao programa, um instrumento que pode apontar sinais de que as coisas não estão caminhando bem. "Os alarmes precoces são absolutamente necessários para evitar as crises", diz o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn. O presidente Bush, que alguns dias antes havia

feito um discurso em defesa do capitalismo e contra a intervenção estatal na economia, saiu da reunião defendendo mudanças na regulação. "Um dos principais avanços foi estabelecer princípios e ações para adaptar nosso sistema financeiro à realidade do século 21. Parte da estrutura regulatória que está aí é do século 20", disse Bush. Outro ponto defendido pelo Brasil que foi aceito pelos demais países é a expansão do Fundo de Estabilidade Financeira, grupo que reúne bancos centrais, FMI e outros organismos financeiros, com o aumento da participação dos países emergentes. O G-20 também concordou com uma regulação flexível, que não acentue as flutuações de mercado - tanto em momentos de crescimento como de crise econômica -, maior clareza e transparência dos derivativos complexos e uma supervisão das agências de classificação de risco.

Mas se provocou aplausos dos incluídos, a consolidação do G-20 como o foro de discussão da crise também deu lugar a críticas. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que é importante que os emergentes estejam representados no G-20, mas lembrou que a ONU tem outros 170 países. O primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que assume a presidência do G-8 no ano que vem, não gostou de ver o grupo perder espaço. "A partir de 1º de janeiro, teremos a presidência do G-8, que não foi apagado pelo G-20. Certos problemas devem ser discutidos por nações cujas democracias estão consolidadas, enquanto outros países, do G-20, ainda estão no caminho para a democracia", afirmou Berlusconi, um dia depois da reunião em Washington. Soou como dor de cotovelo

 

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