Delfim Neto faz críticas à parte da teoria econômica que tentou ser a ciência "imperialista" das ciências sociais, a "rainha" das ciências sociais, mas que agora se vê frente à vingança das mesmas.
O progresso da teoria
21 de novembro de 2008
Delfim Neto
Nunca a corporação dos economistas esteve tão convicta de que é portadora de uma ciência capaz de ensinar aos governos, aos empresários e aos trabalhadores como devem se comportar para obter, respectivamente, a “boa governança” estatal, empresarial e o máximo bem-estar da sociedade. Nunca houve, também, tanta dúvida sobre essa possibilidade, que é o próprio objetivo da Economia Política desde a sua origem e que foi assim resumido por Adam Smith no fim do século XVIII: “A Economia Política, considerada um ramo da ciência dos estadistas e legisladores, propõe-se a dois objetivos. 1. Proporcionar ao povo um bom rendimento e uma abundante subsistência ou, melhor ainda, dar-lhe as condições de que ele mesmo o faça. 2. Proporcionar ao Estado recursos para que possa cobrir suas necessidades e realizar obras públicas indispensáveis. Em poucas palavras, ela se propõe enriquecer ao mesmo tempo o povo e o soberano”. (Tradução livre, A Riqueza das Nações, introdução do livro IV, 1776).
Smith observou que o comportamento dos agentes econômicos atendendo cada um ao seu próprio interesse, mas coordenados pelo mercado, levaria a uma espécie de “ordem natural” com um sistema de preços que harmonizaria o interesse de todos (a “mão invisível”). Essa hipótese extremamente fecunda deu origem ao famoso homo economicus, que contrabandeou para a Economia parte dos teoremas da Mecânica. Alguns ainda permanecem disfarçados na atual teoria neoclássica. Em 1900, oNouveau Dictionnaire d’Économie Politique, de Say e Chailley, consignava (pág. 768): “Da mesma forma que a geometria elementar, a Economia Política também tem seus axiomas: ‘O homem procura obter o máximo de riqueza com o menor esforço’”. Disso ao homo economicus imortal, amoral, plenamente racional com preferências bem organizadas, em busca permanente de um extremo (máximo ou mínimo), com informação perfeita e conhecimento divino do cálculo diferencial foi um pequeno passo.
O fato interessante é que, com seu poderoso axioma “cada um procura maximizar suas vantagens e minimizar os seus custos”, a Economia abandonou a Política e tornou-se apenas Economia, ou, na forma mais pomposa, Teoria Econômica. Tornou-se uma ciência imperialista e foi invadindo as outras ciências sociais. Criou, já no início do século XIX, uma psicologia sem conteúdo empírico. Invadiu a Sociologia, a História, a Geografia, a Antropologia e a Arqueologia e, com a fecundidade do axioma que facilitava a sua formalização, chegou a se tornar a “rainha das ciências sociais”. No esforço para tornar-se uma ciência, transformou-se num ramo bastardo da Matemática Aplicada, instrumento realmente indispensável. Para ser uma ciência, entretanto, ela precisa de menos axiomas e mais trabalhos empíricos.
Assistimos agora à revolta e à vingança das “ciências escravizadas”. Pouco a pouco, elas foram corroendo a riqueza e coerência do poderoso axioma. Hoje, ele está sob o ataque empírico cerrado de um novo ramo do conhecimento, que estuda o funcionamento do cérebro, chamado genericamente de Ciências Cognitivas e que, por falta de melhor nome, os economistas estão chamando de Economia Cognitiva. Uma das vantagens das novas pesquisas é que o analista pode determinar qual é a “zona do cérebro” [constatadas eletronicamente por um equipamento chamado Imagem por Ressonância Magnética (IRM)] que responde a cada estímulo particular: racional ou emocional. Há duas conclusões preliminares, mas que se vão confirmando a cada nova pesquisa. 1. A análise das decisões em matéria econômica mostra que elas estão mais freqüentemente relacionadas às zonas ligadas às emoções do que àquelas supostamente ligadas à racionalidade. 2. Há uma rejeição completa da uniformidade de comportamento do velho homo economicus.
Isso põe em sério risco duas grandes simplificações do modelo neoclássico: o agente representativo (que ilide o problema da agregação) imortal que maximiza sua utilidade num intervalo infinito e a teoria da expectativa racional. Em compensação, parece confirmar a intuição de Keynes, para quem o espírito animal dos empresários é mais movido pela emoção (o investimento depende, fundamentalmente, da expectativa do crescimento) do que pelo cálculo racional.
A própria Teoria Econômica também está incorporando esses avanços. Em lugar de um agente egoísta, onisciente e amoral (o axioma original) coloca um agente mais frágil, que modera seu egoísmo com alguma ignorância, algum altruísmo e certa moralidade. E tem reconhecido a precariedade do seu conhecimento diante de um futuro inevitavelmente incerto. É assim, cada vez mais evidente, a necessidade de uma nova síntese teórica para cumprir o ideal de Adam Smith.
Smith observou que o comportamento dos agentes econômicos atendendo cada um ao seu próprio interesse, mas coordenados pelo mercado, levaria a uma espécie de “ordem natural” com um sistema de preços que harmonizaria o interesse de todos (a “mão invisível”). Essa hipótese extremamente fecunda deu origem ao famoso homo economicus, que contrabandeou para a Economia parte dos teoremas da Mecânica. Alguns ainda permanecem disfarçados na atual teoria neoclássica. Em 1900, oNouveau Dictionnaire d’Économie Politique, de Say e Chailley, consignava (pág. 768): “Da mesma forma que a geometria elementar, a Economia Política também tem seus axiomas: ‘O homem procura obter o máximo de riqueza com o menor esforço’”. Disso ao homo economicus imortal, amoral, plenamente racional com preferências bem organizadas, em busca permanente de um extremo (máximo ou mínimo), com informação perfeita e conhecimento divino do cálculo diferencial foi um pequeno passo.
O fato interessante é que, com seu poderoso axioma “cada um procura maximizar suas vantagens e minimizar os seus custos”, a Economia abandonou a Política e tornou-se apenas Economia, ou, na forma mais pomposa, Teoria Econômica. Tornou-se uma ciência imperialista e foi invadindo as outras ciências sociais. Criou, já no início do século XIX, uma psicologia sem conteúdo empírico. Invadiu a Sociologia, a História, a Geografia, a Antropologia e a Arqueologia e, com a fecundidade do axioma que facilitava a sua formalização, chegou a se tornar a “rainha das ciências sociais”. No esforço para tornar-se uma ciência, transformou-se num ramo bastardo da Matemática Aplicada, instrumento realmente indispensável. Para ser uma ciência, entretanto, ela precisa de menos axiomas e mais trabalhos empíricos.
Assistimos agora à revolta e à vingança das “ciências escravizadas”. Pouco a pouco, elas foram corroendo a riqueza e coerência do poderoso axioma. Hoje, ele está sob o ataque empírico cerrado de um novo ramo do conhecimento, que estuda o funcionamento do cérebro, chamado genericamente de Ciências Cognitivas e que, por falta de melhor nome, os economistas estão chamando de Economia Cognitiva. Uma das vantagens das novas pesquisas é que o analista pode determinar qual é a “zona do cérebro” [constatadas eletronicamente por um equipamento chamado Imagem por Ressonância Magnética (IRM)] que responde a cada estímulo particular: racional ou emocional. Há duas conclusões preliminares, mas que se vão confirmando a cada nova pesquisa. 1. A análise das decisões em matéria econômica mostra que elas estão mais freqüentemente relacionadas às zonas ligadas às emoções do que àquelas supostamente ligadas à racionalidade. 2. Há uma rejeição completa da uniformidade de comportamento do velho homo economicus.
Isso põe em sério risco duas grandes simplificações do modelo neoclássico: o agente representativo (que ilide o problema da agregação) imortal que maximiza sua utilidade num intervalo infinito e a teoria da expectativa racional. Em compensação, parece confirmar a intuição de Keynes, para quem o espírito animal dos empresários é mais movido pela emoção (o investimento depende, fundamentalmente, da expectativa do crescimento) do que pelo cálculo racional.
A própria Teoria Econômica também está incorporando esses avanços. Em lugar de um agente egoísta, onisciente e amoral (o axioma original) coloca um agente mais frágil, que modera seu egoísmo com alguma ignorância, algum altruísmo e certa moralidade. E tem reconhecido a precariedade do seu conhecimento diante de um futuro inevitavelmente incerto. É assim, cada vez mais evidente, a necessidade de uma nova síntese teórica para cumprir o ideal de Adam Smith.
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