Nesta semana, não se pode deixar de pensar nas notícias sobre a economia mundial. O artigo é do José Mauro Delella, na Gazeta Mercantil.
Economia mundial em momento muito delicado
A revisão, em bases mais pessimistas, das projeções de crescimento mundial para o segundo semestre de 2008 e também para o ano de 2009 influenciou de forma decisiva o comportamento dos mercados durante os últimos meses.
A aposta no cenário de "decoupling", ou seja, na capacidade de que as demais economias desenvolvidas e também os países emergentes teriam força suficiente para superar a desaceleração americana sem perda para o crescimento mundial, que foi dominante nos mercados durante boa parte do primeiro semestre, enfraqueceu-se e, por conseqüência, os preços de commodities, que haviam sido claro destaque positivo durante os primeiros meses do ano, devolveram parte importante dos ganhos, retornando, em alguns casos, a níveis inferiores aos registrados no início de 2008.
Num contexto em que a visão em relação à economia americana não chegou propriamente a melhorar, mas o otimismo com o mundo ex-Estados Unidos reduziu-se, destaque também para a valorização do dólar frente às demais moedas globais flutuantes, que ocorreu de modo praticamente generalizado - mesmo num cenário de forte deterioração das condições do sistema financeiro americano, o que não deixa de ser digno de nota. Expectativas de menor crescimento global e dólar em alta representam, basicamente, a reversão do cenário que prevaleceu durante boa parte do primeiro semestre e que levou a um overshooting nos mercados de commodities, trazendo agora uma pressão baixista muito forte, que já pode ser considerada um undershooting.
Olhando para a frente, é forçoso reconhecer que o cenário para a economia mundial permanece de muita incerteza. A concordata do banco de investimento Lehman Brothers, anunciada no último final de semana, trouxe de volta ao debate o risco de uma crise financeira de caráter sistêmico. E, embora continue a existir confiança na capacidade de intervenção de governos e autoridades monetárias, o fato é que as perdas reconhecidas pelos bancos como conseqüência da crise de crédito já são muito maiores do que apontavam as estimativas feitas pelo mercado e, ao que tudo indica, ainda há muito mais prejuízos à frente. O que significa que qualquer solução para o problema financeiro que não passe por um aporte significativo de recursos "dos contribuintes" parece insuficiente.
Nesse contexto, vai se consolidando um cenário de crescimento mundial menor do que sua média recente, não apenas para este ano como também para 2009 - com evidentes impactos sobre a aversão global a risco e, por conseqüência, sobre os preços de ativos como ações e commodities.
Recentemente, emergiram também preocupações maiores com o desempenho futuro da economia chinesa. A desaceleração do crescimento daquele país em 2008 para níveis de um dígito, depois de alguns anos acima dos 11%, juntamente com a forte queda da bolsa e também dos preços (e dos investimentos) dos imóveis, suscitou preocupação em relação ao risco de uma retração mais agressiva. Não é o que acreditamos, porém.
Uma situação muito confortável, tanto no âmbito fiscal como nas contas externas, deverá proporcionar espaço para que os chineses, depois do corte de juros e compulsórios anunciados na última segunda-feira, possam implementar ações adicionais de estímulo ao consumo doméstico de sua economia. A consolidação de patamares mais próximos a 8% ou 9% neste e no próximo ano é praticamente certa (basicamente pela queda da contribuição da demanda externa para o PIB chinês), mas quedas mais intensas do ritmo de crescimento são improváveis.
O mundo já está crescendo menos e esta é uma tendência que deverá prevalecer por vários trimestres à frente. A demanda doméstica na maior parte dos países emergentes se mantém consistente e, mesmo que seja insuficiente para compensar a totalidade do consumo perdido nos desenvolvidos, garante que o crescimento global ainda será, no mínimo, bastante razoável. A queda acentuada das commodities no mercado internacional, se não é suficiente para mitigar por completo os riscos inflacionários, certamente amplia significativamente a margem de manobra dos bancos centrais em relação ao cenário de forte deterioração das expectativas que se observou durante praticamente todo o primeiro semestre.
Não chega a ser um cenário brilhante, mas está longe também de justificar o pânico. Se nos primeiros meses de 2008 é possível afirmar que o mercado tenha errado ao exagerar no otimismo (colocando nos preços probabilidades grandes demais de um cenário muito benigno), apostar agora no pessimismo extremo também parece igualmente equivocado.
A incerteza de curto prazo é grande, o mercado global de crédito ainda está longe da normalidade. Mas a perspectiva mais provável a médio prazo ainda é de retorno à normalidade. Com menos crescimento e menos euforia, mas também sem recessão e estagflação global.
kicker: A desaceleração é inevitável, mas o pessimismo extremo é equivocado.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JOSÉ MAURO DELELLA* - Superintendente de Análises Econômicas/Área do Mercado de Capitais do Banco Itaú
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