quarta-feira, 17 de setembro de 2008

"Desvio ético"?

Cada vez mais, a distinção entre a "regra" (no sentido de ato recorrente, pois institucionalmente está claro) e a exceção complica-se: no dia-a-dia, o desvio é o comportamento ético, ou é o desvio em relação à ética propriamente dito? Nesse comentário de Wálter Maierovitch, colunista da Carta Capital, e na nota da Associação dos Juízes Federais transcrita abaixo podemos refletir sobre o modo como vem sendo tratada a ética no Brasil. 


O efeito Mendes

16/09/2008 12:25:24

Wálter Fanganiello Maierovitch

É incrível. Não mais são discutidos os graves crimes atribuídos ao banqueiro Daniel Dantas. Questões outras, agitadas até por parlamentares beneficiados com doações de campanha feitas por Dantas, diretamente ou por interpostas pessoas, formam uma nuvem de fumaça para evitar que os crimes e os criminosos sejam revelados, conhecidos da população. 
A ética foi para o vinagre. Sem dúvida, trata-se do efeito Mendes, pós liminares em habeas-corpus, tentativa de instaurar procedimento disciplinar contra o juiz (foi abortada em face de uma grandiosa manifestação de apoio feita por magistrados e procuradores em São Paulo), irreverência contra o presidência da República, equiparação do trabalho dos juízes de varas especializadas a ilicitudes de paramilitares de favelas cariocas, etc. 

Em face do mau exemplo, virou vale-tudo. 

Até na Comissão de Prerrogativas da OAB a ética foi para o vinagre. Em procedimento interno, o relator, ilustre professor e reconhecido jurista, surpreendeu. Isto ao não se declarar impedido de atuar, pois relatava caso de colega, para o qual advoga. 

Por outro lado, apesar de já existir processo criminal em curso, procura-se destruir, não as provas, mas imagens. Ou seja, o delegado que presidiu o inquérito e os sujeitos processuais, mais especificamente o representante do ministério Público e o juiz do feito. 

A Comissão Parlamentar de Inquérito, que mudou o foco inicial da razão da sua constituição, ultrapassou todos os limites do razoável e a representação formulada pelo deputado Raúl Jungmann (PPS-PE) para a instauração de procedimento disciplinar contra o juiz da 6ª.Vara Federal, Fausto de Sactis, mostra o seu total desconhecimento sobre a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Em outras palavras, o CNJ não tem competência para examinar matéria jurisdicional, ou melhor, se um juiz acerta ou erra em decisões. Nos estados democráticos, o inconformismo quanto a uma decisão manifesta-se por recurso previsto na legislação processual, que é federal. 

Mais, a deliberação da chamada CPI do grampo ao enviar interpelação ao juiz da 6ª.Vara, onde tramita o processo criminal contra Daniel Dantas, é tão absurda quanto seria a notificação do magistrado para saber dos vínculos do deputado Jungmann com o pessoal de Dantas, ainda que ele tenha recebido, como é público e notório, doação de campanha. 

Pano Rápido, a nota de repúdio, apresentada pela Associação dos Juízes Federais ( AJUFE), que segue abaixo, dá a exata dimensão de como os sinais estão invertidos e da força da chamada Criminalidade dos Potentes. Confira a nota abaixo: 

A Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE vem a público manifestar-se sobre os recentes episódios envolvendo as varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de ativos financeiros e os juízes que nela atuam: 

1. A representação que o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) apresentou contra o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, junto ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ, a propósito da concessão de senhas a agentes da Polícia Federal, no curso das investigações da chamada Operação Satiagraha, as quais permitiriam acesso a dados cadastrais, é medida imprópria e inadequada, pois se trata de decisão proferida no âmbito jurisdicional e devidamente fundamentada, não cabendo seu exame pelo CNJ, no âmbito disciplinar. 

2. É inaceitável a atitude do advogado Nélio Machado, defensor do senhor Daniel Dantas, ao imputar má-fé nas atitudes do procurador da República Rodrigo de Grandis e ao juiz federal Fausto Martin De Sanctis. Em evidente excesso de linguagem, o advogado extrapolou seu ofício ao atacar, injusta e injustificadamente, o membro do Ministério Público Federal e o magistrado que determinou o bloqueio, a pedido daquele, de centenas de milhões de reais em razão de operação considerada atípica por instituição financeira, que a comunicou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras -COAF, órgão criado pela Lei nº 9.613, de 03.03.1998, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, que tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividade ilícita relacionada à lavagem de dinheiro. 

3. O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, ao proferir tal decisão, nada mais fez do que exercer o seu papel jurisdicional, que a Constituição e as leis do país lhe atribuem. Se dessa decisão, assim como de outras proferidas no âmbito da referida operação, há inconformismo, que este seja manifestado pelos meios processuais cabíveis, dentro do devido processo legal, que é inerente ao Estado Democrático de Direito, e pelas partes envolvidas. 

4. Não se pode admitir a tentativa de politização do caso concreto ou de qualquer interferência na atividade técnica do magistrado. Atacar o magistrado, tentando desmoralizá-lo, não faz parte do jogo democrático e merece o repúdio da sociedade. 

5. As quebras de sigilo de comunicações telefônicas determinadas por magistrados, no curso de investigações regularmente instauradas, são medidas legais, nada tendo a ver com grampos clandestinos. 

6. A AJUFE é contrária a qualquer tentativa de modificar a atuação das varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de ativos financeiros. Essas varas têm apresentado expressivos resultados na repressão à criminalidade organizada, tendo o trabalho nelas desenvolvido sido elogiado pelo GAFI/FATF, organismo intergovernamental responsável pela elaboração e implementação das políticas e recomendações internacionais dirigidas à luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Os ataques que têm sido feitos a essas varas e aos seus juízes são a prova cabal de que o trabalho da Justiça Federal está incomodando quem acreditava estar vivendo no país da impunidade. 

7. Como órgão de representação dos magistrados federais em âmbito nacional, a AJUFE rejeita com veemência qualquer atitude que vise intimidar magistrados. Atentar contra a independência funcional do juiz é atentar contra o Estado Democrático de Direito. Nenhum juiz pode ser punido apenas porque decidiu. 

8. A AJUFE está prestando a necessária assistência ao juiz federal Fausto Martin De Sanctis neste episódio e conclama a sociedade a prestar atenção ao que vem ocorrendo. Os juízes federais estão atentos. 

Brasília, 15 de setembro de 2008. 

Fernando Cesar Baptista de Mattos

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