O preço de rejeitar a adesão da Venezuela ao Mercosul
(Valor Econômico, 06/05/2009)
Decisão seria um desastre político e econômico para o país e para o continente
Fabiano Santos e Márcio Vilarouca
É ilusão imaginar que, rejeitada pelo Senado brasileiro, a Venezuela manteria os privilégios comerciais que o Brasil hoje desfruta
A disputa entre governo e oposição, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em torno da adesão da Venezuela ao Mercosul, reproduz em linhas gerais os mesmos argumentos apresentados pelas partes durante o processo de tramitação do protocolo na Câmara. A oposição, capitaneada pelo PSDB e DEM, lança mão de um argumento de cunho político, de que a Venezuela não cumpre os requisitos estabelecidos na cláusula democrática do Mercosul, e outro de cunho econômico, referente às indefinições nas negociações tarifárias com a Venezuela.
A Venezuela, desde 2005, é considerada membro do bloco em processo de adesão, o que lhe faculta participar das instâncias decisórias, inclusive no Parlamento do Mercosul, com direito a voz, mas não a voto. O país aderiu ao Protocolo de Ushuaia em 2005, sem que até o momento nenhum integrante do bloco ou membro associado tenha feito qualquer tipo de representação formal contra os "procedimentos internos" do governo venezuelano por meio da evocação da cláusula democrática.
Desde 2005, a Venezuela vem realizando ao menos uma eleição a cada ano, como extensa participação de observadores internacionais e sem questionamentos da legitimidade do processo. Entretanto, os dois referendos realizados no período revelaram certo enfraquecimento da liderança bolivariana. Chávez foi derrotado no referendo de 2007, a oposição obtendo 51% dos votos válidos, mas venceu o referendo de 2009, que pôs fim ao limite do mandato presidencial, desta feita a oposição angariando 46% dos votos válidos, desempenho muito melhor do que aquele apresentado pela principal liderança da oposição, Manuel Rosales, nas eleições presidenciais em 2006. Os dados devem ser vistos com cautela devido a enorme variação na abstenção eleitoral, que não deixa de ser outro indicador de que o quadro de disputa não apresenta uma tendência nítida, com potencial eleitorado a ser mobilizado.
Revogar a adesão da Venezuela significa isolar não só Chávez, mas também a oposição venezuelana. A instância regional pode servir de contrapeso mantenedor do Estado de Direito, num contexto que é ainda de extrema polarização política. Neste sentido, é importante relembrar a efetividade do uso da cláusula democrática quando da tentativa do golpe militar no Paraguai, em abril de 1996, quando o general Oviedo ameaçava destituir o presidente Wasmosy.
O argumento institucional vai além e envolve a própria ideia de se ter um ambiente integrado no âmbito político que estabilize relações econômicas entre os países e que, ao mesmo tempo, sirva de anteparo para comportamentos internamente desestabilizadores e de incentivo para uma cultura política de entendimento e moderação. O Mercosul possui vocação inegável para cumprir este papel.
Pelo lado econômico, um dos principais questionamentos é que há elevado grau de indefinição em relação às negociações tarifárias. O argumento não é irrelevante, mas é de caráter secundário se levamos em conta o crescimento da complementaridade econômica entre os dois países. O Brasil é o terceiro maior fornecedor de produtos para a Venezuela, somente atrás de Estados Unidos e Colômbia. As exportações brasileiras aumentaram em 858%, entre 1999 e 2008, sendo que no ano passado o país apresentava um saldo comercial de US$ 4,6 bilhões. Para efeitos comparativos, ainda mais se considerarmos a defesa pró-Alca feita anteriormente pelos partidos de oposição, o superávit com os Estados Unidos é de apenas US$ 1,8 bilhões, e de US$ 10,2 bilhões no conjunto dos 27 países da União Europeia.
A pauta de produtos exportados nos fornece outra indicação relevante do potencial mercado venezuelano. O Brasil é o 2º maior fornecedor venezuelano de automóveis, 2º de eletro-eletrônicos, 3º de máquinas e equipamentos, 5º de alimentos e 6º no setor farmacêutico. Seria interessante observar, a título de curiosidade, que o Estado representado pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores, Minas Gerais, é o que mais exporta para a Venezuela, após São Paulo, Estado da maior e mais poderosa federação de indústrias do país.
Contudo, o espaço conquistado no mercado venezuelano não está totalmente assegurado. Após a decisão de Chávez de se desligar da Comunidade Andina, fato que permitiu ao Brasil o avanço sobre um mercado que era cativo da Colômbia e também do México, a China iniciou uma agressiva política comercial, assinando, inclusive, mais de 300 acordos comerciais com a Venezuela no início de 2009. Ou seja, a aprovação da adesão da Venezuela ao Mercosul significa melhorar ainda mais a inserção competitiva dos produtos brasileiros por meio da ampliação das margens de preferências comerciais em relação a terceiros países. A rejeição, por outro lado, às portas para os concorrentes extrabloco, mas principalmente para os chineses.
É importante insistir neste ponto, pois a verdade é que o Brasil não possui muitos instrumentos para se contrapor à entrada de produtos chineses na Venezuela, dependendo quase que exclusivamente dos acordos tarifários vigentes. Assim, para manter a competitividade de sua indústria pelo mercado venezuelano, atualmente o Brasil goza de privilégios tarifários definidos pelo acordo celebrado entre países do Mercosul e da Comunidade Andina das Nações. Contudo, em função da saída da Venezuela da Comunidade Andina e do seu possível ingresso no Mercosul, tais privilégios serão encerrados em 2011. Em outras palavras, a reversão implica que as preferências desfrutadas pelo Brasil hoje em dia seriam extintas a partir deste ano.
É ilusão imaginar que, eventualmente rejeitada pelo Senado, a Venezuela manteria o Brasil com um status comercial privilegiado. A partir de 2011, e com uma decisão negativa por parte dos senadores brasileiros, a Venezuela se encontraria numa espécie de limbo econômico institucional, situação ideal para o início da supremacia econômica chinesa em nosso querido solo sul-americano.
Pelos dois motivos elencados acima, podemos dizer que a rejeição pelo Senado do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul configura um desastre político e econômico para o país e para o continente.
Fabiano Santos é cientista político, professor e pesquisador do IUPERJ/UCAM, é também coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON/IUPERJ).
Márcio Vilarouca é cientista político e pesquisador do NECON/IUPERJ.